Apesar das semelhanças com outros filmes de acção ou, até mais, com séries televisivas como 24 e Alias — de cujas estéticas e temáticas é bastante devedor —, há algo de estranho e de incaracterístico em Act of Valor (Homens de Coragem, 2012) de Mike McCoy e Scott Waugh. Lendo um pouco sobre o filme, percebe-se de onde vem a sua idiossincrasia: foi realizado com a cooperação da Marinha americana e protagonizado pelos SEALs que retrata. Está um patamar acima da propaganda militar (ou, dirão alguns, não passa de propaganda militar). Ora, é exactamente essa particularidade que lhe dá algum interesse, que o impede de ser apenas uma cópia pobrezinha dos melhores filmes do género.
Em Act of Valor descobrem-se todos os clichés dos filmes de acção dos últimos anos: os movimentos de câmara e montagem frenéticos; os ralentis nos momentos de “maior intensidade”; o grafismo de computador para situar geograficamente o espectador (que a história decorre em variadíssimos pontos do Globo); o “sabor étnico” dado pelas cores e música quando as personagens viajam para sítios distantes; a estética de jogo de computador (há imagens que podiam ser de um first-person shooter e o próprio enredo replica a lógica dos níveis dos jogos); os efeitos especiais digitais (que permitem pôr uma criança a arder — um momento que suscita alguma repulsa: um dos traços do cinema contemporâneo, “libertado” pelas imagens geradas por computador, é a sua incapacidade de encontrar limites morais, por assim dizer); a música “inspiradora” e grandiosa.
A história, que mistura drogas e terrorismo (as novas “Rússias”), nada original, também não ajuda: um grupo de SEALSs encarregue de operações especiais, secretas e dissimuladas, tem de salvar o mundo (ou seja, salvar os EUA de um ataque terrorista de grandes proporções). Os heróis são íntegros e têm o queixo saliente. Os antagonistas, porcos, barbudos e estrangeiros, são caricaturas um pouco menos grotescas do que o habitual. Os secundários (mesmo os aliados dos heróis) morrem às dúzias de cada vez, carne para o canhão do espectáculo de mortandade.
Toda esta patriotice seria perfeitamente intragável — e é tantas vezes; haverá, com certeza, quem defenda que Act of Valor é fascista e imperialista —, não fosse pela vontade dos realizadores de que fossem os próprios SEALs a representarem as suas personagens. Estes, desconhecedores das manhas e manias da representação (podiam ser “modelos” de Robert Bresson), são a areia nesta engrenagem, que de outra forma estaria demasiadamente bem oleada. Para cada litro de sangue digital, há um olhar ao lado de um dos protagonistas, vulnerável e franco; para todos os lugares comuns do enredo, há uma narração dita em voz monocórdica pelo outro protagonista; para cada arroubo musical, há a sobriedade do gesto; para cada linha de diálogo rasteira, há a dignidade dos verdadeiros corajosos (os que sabem ter medo). Perante aqueles rostos (fechados) a cumprirem mais um ritual militar (mesmo os fúnebres, principalmente os fúnebres), perante aqueles soldados que, pressente-se, se sacrificariam na “vida real” como no ecrã, é impossível não lembrar John Ford. Eles mereciam-no e não uns McCoy e Waugh quaisquer.