Não é por maldade mas sobre um filme como 360 (360: A Vida é um Círculo Perfeito, 2011) de Fernando Meirelles parece de facto haver hoje muito pouca coisa construtiva para dizer. Contudo, há uma curiosidade, ou antes, uma inquietação. Pensamos no que terá acontecido desde que Robert Altman [com base já nas indicações do vôvô Griffith em Intolerance (Intolerância, 1916)] resolveu trabalhar as narrativas em rede.
Quer dizer, a lógica da curiosidade, do acaso subterrâneo, já tinha feito com que o cinema independente norte-americano “enfraquecesse” as relações entre as personagens dos ditos mosaicos originais. Mas se virmos um trajecto que vai mais ao menos assim — Magnolia (Magnolia, 1999) —> Traffic (Traffic – Ninguém Sai Ileso, 2000) —> Crash (Colisão, 2004) —> Babel (Babel, 2006) — não podemos deixar de nos perguntar: what’s going on here? Já não é apenas o fortuito que liga as personagens mas sim a construção do mosaico como metáfora de um mantra pegajoso, um mambo-jambo da mundividência que quer a todo o custo unir os seres humanos na boa vontade ou na agrura.
O filme de Meirelles é precisamente o thriller split screen (incrivelmente esburacado pelo bicho cliché) que ilustra na perfeição esta ideia. São 360º, um filme que quer a todo o custo dar a volta sobre si mesmo, através de um unir os pontinhos entre personagens: uma mulher eslovaca a iniciar a sua vida na prostituição de luxo ante o olhar reprovador e inocente da irmã mais nova; a chantagem a um empresário para obter um negócio; um adultério; uma filha desaparecida; um dentista apaixonado pela sua assistente que por sua vez está casada com um motorista farto dos abusos do seu patrão mafioso. E por aí fora.
Nesta rotação narrativa em que o início tem de encaixar no fim e umas personagens nas outras (é assim a ditadura da semelhança da espécie humana) tudo é tão claro que fica à mostra como o lado místico e quase religioso destas tapeçarias se une perigosamente ao seu lado comercial. 360 é imodesto: é sobre todo o viver. E como tal — com realizador brasileiro, produção franco-inglesa-austríaco-brasileira, Jude Law, Anthony Hopkins e Rachel Weisz lá pelo meio, passado em Viena, Paris, Londres, Colorado, etc. — também quer apanhar todo o tipo de espectadores. O problema é ter algo de interessante para lhes dizer além da metafísica dos garfos, o lema “sério” do filme: o garfo espetado no meio da estrada que temos de tirar e tal como símbolo dos bloqueios na vida para depois poder andar para a frente e assim. Paulo Coelho não diria melhor.
Mas voltemos à questão: o que sucedeu de Altman a Meirelles, de Nashville (Nashville, 1975) a 360? Bom, aconteceu a ditadura comercial da superficialidade. Hoje a prostituta do Leste parece invadida pelo espírito “life is like a box of chocolate” e sob o pretexto de retratar a dignidade de todos avança-se, sem pudor, nestes “readymades do sentir”. Por isso, os exercícios-mosaico, que eram desde Altman muito mais próximos de uma formalidade ingénua, foram sendo invadidos por uma lógica perversa, o feeling “estamos todos ligados” que ajuda a condescender o outro, mas também o cinema. É porque sempre estamos a ser jogados nos dois campos. É para ficar solidários com as personagens quando percebemos que há problemas de integração e elas precisam de aprender inglês. É para ficar descontraído quando em cada sequência exterior de viagem há uma musiquinha cool, estratégia comercial das mais rudimentares.
Esquecendo esta dupla dor-de-cabeça e aproveitando a circularidade pateta de 360, diga-se que este filme é um garfinho bem saliente enterrado a meio do nosso ano cinematográfico. É arrancá-lo rapidamente e seguir em frente.