É em tom de provocação (só podia) que trago Batman Forever (Batman Para Sempre, 1995) como filme recuperado, agora que anda pelas bocas do mundo (são milhões, uma pipa de massa) o novo e último de Christopher Nolan. A questão prende-se com o incidente (?) de que Joel Schumacher (a quem muita gente roga pragas todos os dias pela manhã) fez um dos melhores filmes da saga.
Joel Schumacher percebeu algo que a Burton não interessou (porque estava mais preocupado em fundear o seu estilo gótico-barroco) e que Nolan nunca considerou (porque está demasiado ocupado a fazer filmes sérios e “negros” – a praga das adaptações de bandas desenhadas que têm que ser “negras”, ai que escurinho) que é: o material de base é uma banda desenhada (antigamente não havia cá essa coisa das graphic novels) ou, como se diz nas terras do tio Sam, comic strips. Aqui está, as histórias de quadradinhos não são dramas psicológicos nem exercícios de estilo, são antes de mais comics, cómicas portanto. E portanto Schumacher fez um filme à medida do seu material, mantendo todas as personagens a duas dimensões (porque é de papel colorido que estamos a falar) pactuando com actores (Jim Carrey e Tommy Lee Jones, quem mais, e uma Nicole Kidman tão inocentinha, tão fosforescente) que levaram ao ridículo todas as situações que os quadradinhos obrigavam. E antes de prosseguir note-se que a coisa é continuada em Batman & Robin (Batman & Robin, 1997) com um Bane absolutamente atrasado mental (ainda não vi o que Nolan trouxe, mas parece que ele andou estes anos todos a tomar suplementos para o cérebro) e uma Uma Thurman e um Arnold Schwarzenegger nos limites do suportável (mas o senhor Arnold viveu sempre sobre essa linha que divide o cool do parvo). Mas então até parece que não gosto do filme. Muito pelo contrário, há neste festim de idiotice qualquer coisa de inocente que me seduz. Vamos ao filme, que é para isso que cá estamos.
O filme começa, uma música épica (e não é o Hans Zimmer com o seu tã tã tã), fumos e luzes, engenhocas e fatos musculados, um homem-morcego atravessa um cenário ciber-punk, chega ao pé do carro-morcego (tudo leva um morcego à perna) e de repente temos o mordomo (Ambrósio?) a perguntar: quer que lhe prepare uma sandes para o caminho? e, se a coisa já não era ridícula por si, o encapuzado responde, não se preocupe, eu passo por um drive-in. Só isto já pareceria um filme de paródia (do estilo dos ZAZ), mas a verdade é que é oficial, Tim Burton é o produtor. Mas a tontice continua, temos um carro que sobe paredes e um número de kung-fu para estender a roupa, o mais arbitrário dos vilões (será que o Cormac MacCarthy viu o filme? o No Country for Old Men só foi editado em 2005) e Carrey está em topo de forma com todas as suas caretas e gritinhos e algazarra. Mas aquilo que nos conquista de imediato é a cor: nunca Gotham foi uma cidade tão colorida, tudo em roxo e verde, o céu de dia é cor-de-rosa e sentimos que está toda a gente numa trip de LSD ou um outro estupefaciente de marca branca.
Depois há a questão do fascismo, já sabemos que o historial da Marvel é fascista, oops!, não me batam, queria dizer DC Comics, vá, queria dizer super-heróis em geral. Aqui Schumacher segue essa veia à risca e temos um plano que é por si só esclarecedor: numa perseguição pelos ares, o morcego vai pendurado num helicóptero e a coisa dá porrada a torto e a direito, o duas-caras salta borda fora e o nosso cavaleiro das trevas despenha-se numa bola de fogo contra a estátua da liberdade – in your face, democracy!
Mas quantos filmes de super-heróis colocam a questão da zombificação pelos media? Esse é o plano do Riddler, um vilão que actua através da estupidificação dos espectadores de televisão, com um novo sistema de total imersão: o 3D (profético?). Vendo televisão as pessoas não só ficam aparvalhadas como se estabelece um sistema de captura das ondas eletromagnéticas do cérebro criando-se um gigante Big Brother, onde já não há nada privado e portanto onde todos estão à mercê das loucuras do nosso ponto de interrogação ambulante. Aqui está a questão: se podemos fazer interpretações sobre o mundo pós-11 de Setembro nos filmes de Nolan é porque queremos justificar todo o hype (e também o preço do bilhete), mas na verdade não há lá nada, zilch (como disse Luís Miguel Oliveira o Nolan é nulo, quase que rima). Enquanto que Schumacher ao menos queria entreter. Nolan não sabe o que quer, são explosões umas atrás das outras e espaço para sub-textos inexistentes que não dão com nada. Percebo que o que me faz gostar mais deste filme não é tanto o filme em si, mas nulidade das versões Nolianas; aqui ao menos havia uma consciência do ridículo, era uma brincadeira. Para Nolan as coisas são para levar a sério, e isso não tem graça nenhuma.