Se não há temas sagrados no cinema, há coisas que nos dizem quando podemos estar a entrar em territórios movediços. Um bom exemplo é usar À la recherche du temps perdu, a obra que esgotou toda a vida de Proust, como bússola criativa de uma segunda longa-metragem e isto quando se tem apenas 35 anos. Esse parece ser o pecadilho mais visível de Bonsái (Bonsai, 2011) do chileno Cristián Jiménez. Contudo, nem sequer há a intenção de adaptar Proust (nesta história ninguém leu Proust, toda a gente finge que o leu).
Proust é apenas um entre vários autores que fazem parte de um movimento de charme da literatura que perpassa todo o ambiente do filme que é sim uma adaptação de um romance curto de Alejandro Zambra. Nesse mundo de muitos livros e algum sexo (quase todos filmados com a mesma dose de horizontalidade) há um jovem aspirante a escritor, Julio (com a incredulidade Antoine Doinel a subir-lhe pelos poros), que, por pudor ou adolescência tardia, esconde à vizinha da frente com quem partilha o leito que afinal não conseguiu um trabalho de transcrição de um romance de um escritor famoso. O que resolve fazer é tudo menos óbvio, começa a escrever um romance à mão para depois o transcrever e assim fingir que conseguiu o trabalho. É assim, nos momentos de transcrição do romance, que vamos tendo acesso ao passado retrouvé e ao amor que viveu uns anos antes quando ainda adormecia na praia ao sol e ficava com a marca dos livros no peito (uma gracinha kaurismakiana do filme), ou quando ia para a cama com miúdas com a t-shirt dos Ramones.
Os livros, o sexo, os concertos, a poesia com base em manuais de mecânica, o bonsai como metáfora da escrita (e do amor) são tudo sinais de uma certa soberba. Mas há uma tentativa airosa de contornar o problema: o que fazer quando as personagens são snobs e afectadas e só fazem coisas interessantes e profundas? “Ler na cama? É tão snob”, comenta a companheira de Julio. E o jovem escritor responde a isso, como quem está a comentar o seu passado: “mas… trata-se de uma busca juvenil”. Há portanto uma certa consciência adulta sobre o momento em que se está a ser jovem, como se o filme quisesse produzir dois discursos: o oficial e o naïf. A questão é que ninguém deixa de ser jovem apenas por ter consciência de que é. E, por isso, nem a assunção final do auto-biográfico (“Eu sou o tema desta obra”), nem as escusas airosas desculpam o bla bla bla e os planos das plantinhas.
Assim, o lado esquemático, da busca de uma identidade, denuncia-se naturalmente ao longo de Bonsái através dos pequenos detalhes. É que no vai-vém do “8 anos antes, 8 anos depois” não há grande diferença entre o escritor adulto e o jovem estudante, entre o passado reencontrado e o presente prostrado. Falta ânimo a estas personagens além da sugestão dos seus movimentos e atitudes. Como se sabe, desde Karina e Belmondo que ler pedaços de romances na cama é coisa séria. Seja sinal de libertação ou ritual pré-coito, não é algo que se faça hoje politicamente em vão. E por isso mesmo, ainda que se trate de uma marca de juventude, tudo parece algo requentando.
Neste percurso, que toma o charme juvenil como coisa que não serve para nada, fica-nos a ideia veiculada durante o filme de uma campanha que quer reivindicar o fracasso. Mas essa ideia que ajuda a colocar Bonsái em constante perspectiva, num compartimento cinzento que seria sempre sério e sempre ridículo a todo o tempo (como uma espécie de cubo de Rubik), esgota-se rapidamente.