Baran bo Odar (ou só bo para os amigos) é provavelmente um perfeito desconhecido para o cinéfilo português. O caso não é para grandes dramas pois o realizador suíço de 32 anos ainda só fez uma curta metragem [Quietsch (2005), um joguinho youtube em split screen com ritmos extraídos de bolas de pingue-pongue e sprays para o cabelo) e uma longa [Unter Der Sonne (2006), o seu filme de licenciatura].
Das letzte Schweigen (O Silêncio, 2010), que em português reproduz o título de uma obra de Bergman, é então uma segunda tentativa, desta feita no interior da sua principal inquietação: como integrar o instinto da maldade no interior do ser humano? bo Odar leu Crime de Castigo aos 12 anos e ficou fascinado pelo facto de todos termos cá dentro um potencial para o mal, instinto que uns dominam, outros menos. E qual será hoje o caminho mais claro para expor essa latência? A pedofilia, claro.
E eis que com este já são três os filmes que este ano nos fazem mergulhar nas mesmas águas: os outros são Michael (Michael, 2011) de Markus Schleinzer e Stillleben (Natureza Morta, 2012) de Sebastien Meise. Se estes últimos são sobretudo filmes muito pungentes, graves e lentos sobre o cerimonial da morte e da culpa, o filme de Baran Bo Odar toma um caminho mais convencional. É um thriller (senhores) sobre o desaparecimento de uma jovem de 13 anos, cuja bicicleta surge exactamente no mesmo sítio de um crime semelhante cometido 23 anos antes. O mistério, convém que se diga, não é lá muito misterioso até porque conhecemos a dupla de “amigos” que esteve por detrás do primeiro crime: o pedófilo de corpo e alma e o pedófilo só de corpo, cuja alma o atormenta.
Diga-se que é Verão (cá e no filme) e que o realizador suíço quis pôr em movimento uma teia de relações que une culpas de uns e desgostos de outros (a mãe da primeira jovem assassinada e os pais da recém desaparecida; mas também um dos polícias qaue tenta superar a morte da mulher). A intenção torna-se clara, a ideia de querer fazer um recriação de Fargo (Fargo, 1996) está sempre presente (uma das polícias até está grávida como a Marge do filme dos Cohen). Contudo, ou não fosse ainda (quase) uma primeira obra, Das letzte Schweigen está demasiado preso a esquemas (os falsos suspeitos, o constante cliffhanger, a extrema clareza das personagens) só deixando aqui ou ali emergir alguma sensibilidade cinematográfica. Ela está patente sobretudo na utilização da música que parece querer que o filme entre numa espécie de abismo denso [lembra um pouco a insistência da música de Sasseti em Alice (2005)]. Mas nesta ambiência raramente os planos muito picados da floresta, dos trajectos de carro, de bicicleta, ganham mais do que uma tonalidade de julgamento divino. São apenas um julgamento de género.
Pouco depois de se conhecerem, o pedófilo mais velho (o actor Ulrich Thompsen) diz ao mais novo que reconheceu nele um olhar. Mais uma vez a insistência no olhar “especial” da necessidade proibida. Se há algo de diferente no filme de bo Odar, não é tanto os filmes proibidos vistos em Super 8 [devia só citar Cigarette Burns (2005) de John Carpenter, mas também falo de 8 MM (8MM, 1999) de Joel Schumacher], nem o remorso que aflige o homem que se vê monstro [Little Children (Pecados Íntimos, 2006) de Todd Field]. A novidade, a haver alguma, está sobretudo nesse olhar diferente que revela o desejo transgressor, mas que também transforma Das letzte Schweigen numa inusitada história de amizade.
Mas e então que fazer com todo esse desejo? Pois não se sabe, não se sabe…
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