Sabe-se o incómodo que Zhang Yimou causou às autoridades chinesas ao longo dos anos nomeadamente pelo facto dos seus filmes “exporem em demasia a sociedade” (um clássico, portanto). Se o convite para dirigir as coreografias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos em Pequim em 2008 não foi sinal suficientemente claro de uma reconciliação com o regime chinês, quem vir Jin líng shí san chai (As Flores da Guerra, 2011) dissipará quaisquer dúvidas.
Grande produção, o filme mais caro na histórica do cinema chinês (94 milhões de orçamento), este drama bélico situa-se durante o Massacre de Nanking na Segunda Guerra Sino-Japonesa em 1937. Em plena invasão japonesa da cidade, que causou perto de 300000 vítimas, um agente funerário americano (Christian Bale) vem à cidade para enterrar o corpo de padre de um convento católico feminino. Durante os combates o convento torna-se também o refúgio de um grupo de prostitutas que tem de conviver com as raparigas. O que se segue é uma história de sacrifício e amizade (Yimou disse sempre que o que lhe interessava era a forma como o espírito humano se expressava em tempos de guerra), contada pelas várias perspectivas femininas: das jovens crentes e puras, das mulheres experientes e impuras.
Se podemos contestar a presença tutelar dispensável de um protagonista e star americano (“I’m John. I’m American”) para narrar uma história sacrificial feminina, ela faz sobretudo parte de uma estratégia comercial. Essa abertura à grande emoção tem em Zhang Yimou, e no seu gosto pelo épico, um prolongamento natural. Não raras vezes a sua escrita floreada cai no “complexo de lágrima” e na ultra-sensibilidade (“You girls have a strenght and beauty that never dies”, diz Bale, já operada que foi a transformação de americano mercenário em “padre” consciencioso). Por tudo isto não é de estranhar que em Jin líng shí san chai abundem planos de beicinho de Christian Bale, corridas em slow motion, espelhos a partirem em slow motion, mortes em slow motion (há esse plano operático de vários soldados chineses em fila a serem metralhados ao ralenti numa táctica de escudo humano). Já disse que o slow motion é o melhor amigo de Yimou? O que salva Jin líng shí san chai de ironizar com o seu tom a tragédia absoluta é esse saudável exercício intelectual de percebermos que numa guerra há actos de coragem (como os há de cobardia), que levem os rodriguinhos que levarem não deixam de ter um certo poder.
Uma cena em particular de uma violação de uma prostituta, cheia de efeitos, que culmina na sua execução com o sangue a esguichar por todo o lado tem feito levantar alguns dedos acusadores. Trata-se de um momento, como há outros, que causam ao espectador uma retração causada por um certo sadismo entertainment. O gosto de Yimou por filmar em grande cai aqui em território extremamente delicado. Mas se se pode dizer que um cineasta como Gaspar Noé, por exemplo, procura o choque, o chinês varre tudo como esse estetismo absoluto que procura trazer o sentimento à tona a todo o momento. Mais importante do que perceber que esse sublinhado é desnecessário e corny, o grande problema é a insensibilidade que o cineasta revela ao tratar todas as coisas, todos os temas, pela mesma bitola do show dramático. Isso, apesar de tudo, Spielberg não fez com esse outro samaritano em tempos de guerra chamado Oskar Schindler.