Quando um filme ganha nas bilheteiras 12 vezes aquilo que custou tem-se a tendência de querer falar apenas do aspecto mercantilista do cinema, mas Magic Mike (Magic Mike, 2012) é exactamente sobre essa história dos mercados, ou melhor, sobre essa história do dinheiro. Seria tentado a escrever it’s all about the money, mas na verdade é tudo sobre o simbolismo do dinheiro.
As aproximações entre este último filme de Soderbergh e The Girlfriend Experience (Confissões de uma Namorada de Serviço, 2009) são todas inteligentes: em ambos os filmes os protagonistas são actores cuja experiência pessoal se aproxima às suas personagens [Channing Tatum foi stripper e Sasha Grey é actriz pornográfica, assim como Gina Carano, protagonista de Haywire (Uma Traição Fatal, 2011) é lutadora profissional], acontece também que em ambos as questões da crise financeira são o pano de fundo para histórias sobre profissionais do sexo (quer efectivo, quer o sugerido). Na última cena de The Girlfriend Experience tínhamos uma plano de um homem gordo, dono de uma charcutaria, que pagava à nossa namorada de serviço por um abraço, apenas um abraço, demorado e carinhoso. Soderbergh a querer dizer-nos que o dinheiro não é coisa abstracta (e talvez por isso esta aproximação sexo-dinheiro, porque não há de haver coisa mais física do que o sexo) e assim materializa-o num abraço, numa forma de carinho.
Em Magic Mike, a coisa é semelhante, embora aqui o dinheiro esteja espalhado por toda a parte, atirado como confetti. O que acontece aqui é que o dinheiro é considerado (ou desconsiderado) consoante a personagem (diz-me o que trazes na carteira, dir-te-ei quem és). O miúdo novo, The Kid, vai ao palco pela primeira vez e quando volta vem despido e com as cuecas cheias de dinheiro, um enchumaço de notas. O simbolismo aqui não é nada inocente, o dinheiro para o rapaz (que não quer trabalhar e desiste da faculdade) é coisa sexual, é potência sexual; o monte nas suas cuecas existe através do dinheiro, e o dinheiro existe pelo monte nas suas cuecas (porque é isso que as senhoras o apreciam). Opostamente o protagonista (o Mike do título) é um tipo certinho, quer começar um negócio, vai acumulando umas poupanças, trabalha que se desunha (para além de stripper, coloca telhados, vende acessórios de carros e constrói mobiliário), por isso para ele o dinheiro é coisa que está intimamente associada ao trabalho (a certa altura ele explica que cada uma das notas está associada a um serviço, nem queiras saber o que eu tenho que fazer por uma nota de 20). Mas o seu trabalho é essencialmente um estilo de vida (ele bem diz que não é o seu estilo de vida) e por isso há que afastar o trabalho do dinheiro, há que partir essa conexão trabalho-dinheiro para que assim o dinheiro valha por si, sem cargas nem conotações; dinheiro limpinho, pronto para ir para o banco, para os mercados (local onde o dinheiro é coisa sem significado, onde já nada representa o que quer que seja). Soderbergh simplifica este passo numa série de planos brilhantes; cada nota que Mike trás para casa é esticadinha e comprimida debaixo de um livro, para ficar com um maço perfeito para o depósito.
Mas esta ligação trabalho-dinheiro não é coisa nova, e nem sequer é aqui algo bastante evidente (aliás, este é dos filmes de Soderbergh mais desinspirados, e por outro lado, dos mais despretensiosos). Lembro um outro filme, um filme (de) gigante, Taxi Driver (Taxi Driver, 1976), em particular o plano em cima. Travis Bickle deve uns dinheiros, quando lhos pedem de volta a câmara enquadra o maço de notas com um bolo e um café, o dinheiro como alimento, ou melhor, o dinheiro como alimento em potência. O próximo filme de Scorsese é The Wolf of Wall Street (2013), esperemos que mantenha esta visão: o dinheiro como pão para a boca.