Como todos os artistas com um estilo muito vincado, Wes Anderson é acusado de ter deixado a sua obra estagnar numa estética que, depois de dar tão belos frutos, se foi tornando estéril. E a verdade é que em The Darjeeling Limited (The Darjeeling Limited, 2007), seu penúltimo filme, se notavam já alguns sinais de cansaço (se não no realizador, no espectador).
Fez-lhe bem a liberdade da animação; Fantastic Mr. Fox (O Fantástico Senhor Raposo, 2009) marcou um ponto de viragem (imperceptível). Sabendo que não podia voltar atrás, à inocência de Bottle Rocket (Roda Livre, 1996), Rushmore (Gostam Todos da Mesma, 1998) ou até de The Royal Tenenbaums (Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial, 2001), Anderson não foi a lado nenhum: apurou a estética (como se diz de um refogado; não caio na tentação de escrever que a depurou, o que não aconteceu) e vincou ainda mais o estilo.
Uma manobra que aparentemente nada alterou. Só que dá ideia de que Anderson perdeu completamente a vergonha, o receio de desagradar aos críticos. De que respira melhor agora. Moonrise Kingdom (Moonrise Kingdom, 2012) apresenta tudo o que se espera de um filme de Wes Anderson (a sua marca) — a relação do indivíduo com o grupo (comummente a família); os meninos-prodígio meio-adultos; os adultos meio-infantis; o humor subtil; a mágoa escondida na pose; a atenção obsessiva-compulsiva ao guarda-roupa, cenário e adereços; a música impactante; o narrador (a quem, desta vez, é dado um corpo) —, no entanto, estes elementos, mais do que nunca, regem-se pelo tom da fábula infantil (que lhes serve bastante bem), a espaços assustadora, noutros deslumbrante, sempre comovedora. Perante esta obra, o espectador ou é obrigado a penetrar nela com os olhos fascinados da criança ou a ficar de fora. Definitivamente. (A partir deste momento, já ninguém esperará que Anderson se renda à lógica da versatilidade, essa duvidosa qualidade dos tempos modernos.)
A presença dos miúdos, protagonistas e secundários, eles mesmos, pelo que se lê na Internet, protótipos de personagens de Wes Anderson, tem muito a ver com esta nova vitalidade. Jared Gilman e Kara Hayward, os dois jovens actores que fazem o par romântico e fugitivo, são absolutamente notáveis, na sua absoluta entrega, na paixão que contagia o resto do filme, suplantando os pesos-pesados — Bruce Willis, Edward Norton, Frances McDormand, Tilda Swinton, Harvey Keitel (alguns, é certo, relegados a papéis secundaríssimos; mas este filme é das crianças, o ponto de vista é delas, basta lembrar os binóculos). São eles que emprestam o ardor (adolescente), mais ou menos violento, que se instala em Moonrise Kingdom. Nunca, nos filmes de Wes Anderson, a sexualidade, mesmo que tacteante e juvenil, tinha sido assim: fogosa e impetuosa. É que, não obstante o que atrás ficou escrito, o realizador autoriza que a barragem rebente (figurativa e emocionalmente).
Abrem-se brechas, os trovões rugem e os relâmpagos incendeiam, a ordem imposta pelos enquadramentos, pela coreografia minuciosa, pelo rigor dos movimentos de câmara é posta em causa nesta fricção com a anarquia dos acontecimentos. De resto, parece que Anderson arrisca mais, permite a manifestação da beleza, sem receios nem remorsos: as máscaras dos animais na sequência em que os protagonistas se conhecem; a cena culminante, em que o terrível (mais belo do que tudo) assoma, como nos melhores contos de fadas; o casamento oficioso e miraculoso a lembrar o de The Clock (A Hora da Saudade, 1945) de Vincente Minnelli. Seria insensato falar de um regresso à forma, já que Anderson nunca a abandonou verdadeiramente, mas Moonrise Kingdom é o seu melhor filme desde The Royal Tenenbaums.