Enquanto observava as estreias para o mês de Agosto apercebi-me de um estranho título previsto para esta quinta-feira, dia 30: Morangos Com Açúcar – O Filme (2012). O que representa um filmes destes no panorama do cinema nacional?
A reacção primeira será pensar neste filme como o resultado de uma estratégia de marketing à volta de uma marca, Morangos Com Açúcar, que entre outros produtos tem uma revista, peças de vestuário e bebidas refrescantes. Embora nunca se tenha passado algo deste género em Portugal, esta é uma prática comum no cinema americano. Pensemos em filmes como Cars 2 (Carros 2, 2011), Transformers (Transformers, 2007) e mais recentemente Battleship (Battleship – Batalha Naval, 2012), todos filmes baseados em brinquedos (os dois últimos são de facto produzidos pela Hasbro, gigante da produção e venda de brinquedos detentora de sucessos como Monopólio ou Scrabble). O filme da Pixar, ao contrário dos outros, surgiu como filme singular (da paixão de John Lasseter) mas, apesar de ser um dos casos de recepção mais morna por parte da crítica e público, teve uma sequela, uma vez que os brinquedos das personagens foram sucessos de vendas para a mãe Disney. Esta estratégia de sucesso comercial por diferentes vias — o filme e toda a bugiganga adjacente — é coisa que começou com Star Wars (A Guerra das Estrelas, 1977) [cujos bonecos são propriedade da já referida Hasbro] mas que em anos recentes vem-se cimentando com o crescente número de produções construídas propositadamente para esse fim. Neste sentido, o caso de Morangos Com Açúcar – O Filme não é muito diferente e encaixa-se na estratégia da marca. Na verdade, esta é uma versão pobretanas das americanas: enquanto as outras gastam milhões de dólares em efeitos especiais de encher o olho e outros tantos em divulgação, a nossa versão é uma que aproveita técnicos, actores e valores de produção da série televisiva e faz um filme sem grandes despesas acrescidas. Win Win.
Mas como Transformers não é mau por querer vender brinquedos ou gastar rios de dinheiro em robôs pugilistas, também não será por isto que Morangos Com Açúcar – O Filme será mau. Na verdade, não é isso que interessa (não é essa a questão essencial, sussurra-me Pacheco Pereira ao ouvido), até pode ser que seja o mais extraordinário filme do ano, temos sim que encarar este filme no sistema de produção do cinema nacional (e já agora encarando-o como caso de estudo para a nova lei do cinema, recentemente aprovada por maioria no Parlamento).
Com o recente sucesso de vários filmes nacionais no estrangeiro, nomeadamente os últimos de Miguel Gomes, Gonçalo Tocha e João Salaviza, várias pessoas no meio afirmaram que a qualidade (mais ou menos) constante dos nossos filmes resulta de um meio há anos estrangulado, isto é, uma espécie de teoria da evolução adaptada ao cinema: muitos realizadores só têm direito a uma única tentativa nas longas (através do apoios específicos para primeiras obras) e se estas não adquirem um recepção crítica (nacional e internacional) significativa (ou comercial, uma vez que qualquer filme nacional que alcance mais de 20 mil espectadores tem garantido o apoio do ICA para longa subsequente do respectivo realizador), são votados ao esquecimento. A sobrevivência dos mais acarinhados. Claro que este sistema vem rebentando pelas costuras; nos últimos anos vimos três filmes serem produzidos sem qualquer subsídio — Lisboa Domicilária (2010), Um Funeral à Chuva (2010) e Assim assim (2012) — e como este ano nenhum apoio do ICA foi ainda atribuído, outras formas de produção e financiamento têm que ser consideradas.
Talvez Morangos Com Açúcar – O Filme seja uma alternativa de produção, filmado nos cenários de uma novela, aproveitando profissionais e actores e sem apoios das instituições do estado. Muitos são os casos de excelentes filmes televisivos, nomeadamente várias produções dos anos oitenta tanto nos Estados Unidos como na Europa, onde o vídeo ganhou larga aceitação e realizadores como Fassbinder [com Welt am Draht (O Mundo no Arame, 1973), por exemplo], Godard e Kieslowski trabalharam para televisão de forma sistemática. Tenho que admitir que não sou ingénuo ao ponto de acreditar que Hugo de Sousa (o realizador do filme dos morangos) seja o Fassbinder português, mas creio que é importante pensar num sistema de financiamento que passe pelas televisões e que tire partidos das suas capacidades de produção. Aliás, essa é uma das apostas da nova lei do cinema: para além da participação de 4% do ganho em publicidade nas televisões e de uma contribuição de 3,50€ por cada cliente de um serviço de televisão pago, a nova lei prevê que as televisões invistam directamente em filmes nacionais num total de 1,5% do que ganham em publicidade. Claro que sabemos que esse dinheiro será direccionado para produções como Morangos Com Açúcar – O Filme, formas de reorientar o fluxo do dinheiro (que se queria para o exterior) para dentro do mecanismo das ficções televisivas, à cabeça as telenovelas. Mas talvez não.