O tema da dependência tem muito que se lhe diga, muito que se lhe escreva (as mil e tal páginas de Infinite Jest de David Foster Wallace, por exemplo), muito que se lhe filme. E Oslo, 31. august (Oslo, 31 de Agosto, 2011) do norueguês Joachim Trier tenta filmar tudo (mesmo o invisível).
As imagens e os sons de Oslo e dos seus habitantes que abrem o filme (um prelúdio “musical”) fazem crer que Trier busca uma certa universalidade, como se aquelas 24 horas na vida de Anders, um toxicodependente em recuperação, debatendo-se entre uma “vida normal” (um emprego, amigos, uma família) e a sedutora auto-destruição, fossem toda a vida de todos os toxicodependentes. Não será tanto assim, isso seria esquecer Oslo (cenário do filme e inferno pessoal) e a data (que não é a do dia que assistimos durante boa parte do filme, e mais não escrevo) do título, mas às vezes é na precisão que se encontram as boas sinédoques. O que dá verdadeiramente a ideia de que há um desejo de abarcar todas a experiência da toxicodependência é o determinismo com que Joachim Trier olha (e encerra) a sua personagem. Como se o destino só pudesse ser um, independentemente de quem é ou quem foi Anders.
Essa sensação advirá do argumento, baseado numa novela de Pierre Drieu La Rochelle que já havia originado uma adaptação cinematográfica [Le feu follet (Fogo Fátuo, 1963) de Louis Malle], e da extraordinária composição de Anders Danielsen Lie (de uma inexpressividade em que se consegue ler tudo, até uma funda vulnerabilidade), porém, impõe-se, sobretudo, pela realização de Trier. Mais do que qualquer filme recente que venha à memória, Oslo, 31. august pode ser qualificado de formalmente correctíssimo. Tudo o que aparece no ecrã, tudo o que se ouve (e o trabalho de som é fortíssimo) cumpre uma função, nada é deixado ao acaso (ou por acaso). Por uma vez a técnica do foco e desfoque, um tique do cinema actual abusado por muitos cineastas, tem um sentido psicológico e narrativo — Anders está, de facto, desfocado na vida, na sociedade, na cidade. Quando a câmara deixa de guardar a sua distância (de cientista a brincar com um rato de laboratório) e se torna subjectiva é por uma razão: para representar a perdição de Anders na noite de todos os desmandos (no fundo, os mesmos de sempre).
Só que a técnica irrepreensível de Joachim Trier, que proporciona momentos brilhantes — a cena do café, em que Anders ouve as extraordinárias conversas dos outros clientes, como a daquela miúda que sonha com/descreve a “vida normal” mais perfeita imaginável, e em que a câmara larga, por momentos, o protagonista, para seguir outras tristes vidas, de uma eficácia absolutamente arrasadora —, não resolve todos os problemas — aquele diálogo sofrível e previsível entre Anders e um amigo ao início — e, pior, mais do que servi-la, acaba por sufocar a tragédia. Ao exacerbar o determinismo, com a sua força inamovível, estrangula o sentimento, o pathos, por assim dizer, que seria o que de mais universal poderia alcançar.
Pensando melhor, pode ser que a universalidade que encontro em Oslo, 31. august seja antes “o retrato perfeitamente pintado de uma geração” que Whit Stillman, presidente do júri do Festival de Estocolmo que premiou o filme, viu, e não tanto qualquer preocupação de fazer a “grande obra sobre a dependência”. Não se pode negar que assim é: os encontros de Anders mostram uma multidão de jovens perdidos no espaço e no tempo, fechados cada um no seu próprio drama, incomunicável. Por muito louvável que seja esse intento, tanto mais quando o cinema americano trata as mesmas personagens tão levianamente [pegue-se apenas no caso de Ted (Ted, 2011) e o seu protagonista de trinta e poucos], e por muito bem conseguida que seja a execução, não chega para desfazer a impressão de que Oslo 31. august pode ser um filme admirável, mas só à distância (a que Joachim Trier permite). Falta-lhe uma qualquer pulsão vital, falta-lhe vida, e talvez fosse isso o pretendido. No fim, fica apenas o vazio.