The Dark Knight Rises (O Cavaleiro das Trevas Renasce, 2012), aliás, como os outros blockbusters deste “autor”, é como aqueles bolos vistosos, cheios de creme e chantilly, que dão mais olhos do que barriga e, provados, se revelam enjoativos e um tanto indigestos. Não é por acaso que os filmes de Christopher Nolan parecem sempre piores em retrospectiva: a ambição é imensa [e, à primeira, (en)leva o espectador], mas a execução (a vários níveis, quase todos) deixa muito a desejar.
O que dizer de um filme que custou mais de 250 milhões de dólares e tem um argumento paupérrimo (a parte do processo fílmico que implica cabeça, trabalho e algo em que escrever)? O que dizer do “grande realizador do momento” quando este falha algumas regras básicas (essenciais) da feitura de um filme? Nolan e o seu irmão Jonathan confundem complicação e a demanda pelo efeito com complexidade e inteligência (o cinema dos Nolan é que é pseudo-intelectual, epíteto lançado tantas vezes aos seus críticos). Há demasiados enredos, ideias (que nunca são devidamente desenvolvidas) e personagens (mas há pouco nas personagens: é penoso ver Michael Caine, Matthew Modine, Morgan Freeman, Gary Oldman et al. literalmente aos papéis; só Anne Hathaway é que se safa, verdadeira lufada de ar fresco), que os argumentistas têm enorme dificuldade em ligar, problema que é “resolvido” nas montagens paralelas cada vez mais confusas: as personagens estão aqui e ali e acolá (não se percebe bem nem quando nem porquê) e o dia e a noite relacionam-se de uma forma muito peculiar (para não dizer absolutamente desconexa).
Aliás, toda a gestão dos tempos do filme é trapalhona: meses passam num instante, onze minutos demoram uma eternidade. Claro que no cinema a dilatação e compressão do tempo são ferramentas preciosas, mas tem de se saber usá-las com critério e não com o facilitismo apresentado. Tudo dá impressão de desleixo, que é compensado pela montagem frenética — não existem os tão necessários momentos mortos [não há tempo para respirar, não há tempo para ver — Jim Emerson já o escrevia a propósito de The Dark Knight (O Cavaleiro das Trevas, 2008)]; The Dark Knight Rises tem quase três horas mas fica a ideia de que, para se contar esta(s) história(s) como deve de ser, precisava de mais duas — e pela música constante e ditadora de Hans Zimmer (este filme é tanto de Nolan como de Zimmer, o que não é um elogio). No fim, parece que se viu um trailer gigantesco (e boa parte das imagens é como se tivessem sido filmadas a pensar nele) para um filme que não existe.
Incomoda também que em nenhuma altura de The Dark Knight Rises se sinta ponta de perigo, que todas as oportunidades de criar tensão sejam esbanjadas: só quando alguém se levantava da cadeira no cinema, supõe-se que para ir à casa-de-banho (sempre são três horas), é que este espectador sentia algum frémito, culpa do psicopata assassino do Colorado. Como incomoda que num filme que quer retratar a anarquia, principalmente, depois de se criar aquela Gotham City (Nova Iorque) carpenteriana, os prédios e as ruas continuem imaculados e devidamente enquadrados naquelas vistas aéreas de que Nolan tanto gosta. De resto, não há pinga de sangue (as mortes são quase todas em off, de algumas nem conta delas se dá), nada que possa sujar a “obra-prima”. Não sei se é falta de coragem se uma obsessão compulsiva pela limpeza, mas não há sequer sujidade no espírito do filme, que se pretende negríssimo (por muitas tiradas filosóficas que se atirem) — se em The Dark Knight, havia aquela cena dos ferries (cujo desfecho era demasiadamente frouxo, mais, revelava alguma cobardia de Christopher Nolan), este filme nem chega a ter uma equivalente (e podia, e devia),
No todo, não se pode apontar o dedo a um filme de super-heróis (mesmo um sobre o mais interessante deles todos) por partir de uma lógica de banda-desenhada (embora não case bem com toda a propaganda de que esta é a versão realista de Batman), por ter uma história rocambolesca, descabelada, rebuscada e, finalmente, incompreensível. Mas o que distingue esta salganhada das versões de Joel Schumacher? Só a sisudez e a completa ausência de sentido de humor (one-liners gastos à parte). E a ambição, principalmente.
Porque há, de facto, qualquer coisa em Christopher Nolan, qualquer coisa que arrasta o espectador consigo — ainda que seja muito do seu tempo (temática e esteticamente), a obra de Nolan não é o que se costuma chamar rotineira (o realizador não é apenas mais um) e os filmes, apesar de tudo, não são propriamente enfadonhos (quando mais não seja, são desastres espectaculares). Será a ambição? A megalomania? O gosto pelo excesso? Por muito estimáveis que sejam ou possam ser essas qualidades, não são suficientes para fazer um grande filme, nem sequer um bom filme. Nem para sustentar um “grande realizador”. O benefício da dúvida (que se foi dando ao realizador) dura até certo ponto. Sobretudo, fica a ideia de que os filmes de Christopher Nolan vão envelhecer mal. Já está a acontecer: nem a portentosa interpretação de Heath Ledger consegue escamotear os muitos defeitos (parecidos aos deste filme) de The Dark Knight.