Quando o tema é “importante” e “imponente” — e haverá tema mais imponente e importante do que a mãe de todas as revoluções, a Francesa? —, adivinha-se logo um pastelão sisudo e sensaborão. Benoît Jacquot, que se vem especializando em filmes de época e adaptações de obras “essenciais” para cinema, já havia abordado o assunto de maneira particularmente tediosa em Sade (Sade, 2000) [que não trata da cantora da pop de veludo mas antes do Divino Marquês, como cantava a Mão Morta em tempos idos], que se prendia sobretudo àquele período em que muitas cabeças rolaram guilhotina abaixo por ordem de um tal Robespierre a que se chamou Reino do Terror.
Esperava-se, então, o pior deste Les adieux à la Reine (Adeus, Minha Rainha, 2012), para mais quando versa sobre os próprios dias da Revolução, de 14 a 17 de Julho, da Tomada da Bastilha ao estalar do pânico no Palácio de Versalhes. Em boa verdade, como Sofia Coppola em Marie Antoinette (Marie Antoinette, 2006), Jacquot não anda propriamente nas ruas nem se preocupa especialmente com os revoltosos — o “povo” é a gritante ausência de ambos os filmes, que se fecham no mundo exclusivo da corte de Luís XVI (14 de Julho de 1789 foi apenas mais um dia em Versalhes). De resto, é um ponto de vista interessante: dá ao espectador a oportunidade de observar os bastidores do poder, as figuras históricas no seu dia-a-dia, ainda que essas vidas sejam ficcionadas (Les adieux à la Reine é adaptado de um livro homónimo de Chantal Thomas) — as especulações dos ficcionistas serão sempre mais curiosas do que a secura dos historiadores. No entanto, as semelhanças na abordagem de Les adieux e Marie Antoinette terminam aqui. De alguma forma, o filme de Jacquot é uma resposta (antítese) ao de Coppola: começa onde o outro termina; troca a protagonista (Maria Antonieta passa a secundária); prefere a pompa habitual do filme histórico à leveza vaporosa de Marie Antoinette (não há All Stars nem pós-punk por aqui).
Claro que Benoît Jacquot é que está certo: Marie Antoinette, um dos mais gulosos eye candy que passaram pelos ecrãs de cinema este milénio, é um parente muito estranho da família dos filmes históricos. Por isso, foi tão mal amado e causou tanta estranheza, especialmente em França. Não tem o guarda-roupa nem a música nem as interpretações nem o tom certos. Já Les adieux acerta em todos estes parâmetros, aliás, é um filme bastante certinho, tirando uma ou outra extravagânciazinha — aquele zoom metido a martelo sem critério discernível e a tremeliquice da câmara nas cenas mais (in)tensas são as únicas e escusadas irreverências de que Jacquot é capaz. Por pouco a desajeitada realização do cineasta (a falta de critério alastra-se a todos os momentos: como não sabe o que filmar, filma tudo) não estragava o filme por completo. Salva-se o argumento, assinado pelo próprio e por Gilles Taurand.
Assim se prova que num filme o texto pode ser tão forte como a imagem, pois se não fosse por este (e, vá, pela beleza de Léa Seydoux) Les adieux seria intragável. Ou melhor (que o argumento não é assim tão bom, tem as suas falhas óbvias: as personagens boazinhas, as mazinhas, todas muito bem catalogadas), assim se prova que a história, arrisco escrever, o tema — e não falo só da Revolução que, a dado momento, é apenas uma desculpa, antes daquele estranho triângulo amoroso entre a Rainha, a sua amante, e a leitora da Rainha ou até mesmo da apropriação do papel/corpo alheio (Sidonie só é amada quando é outra) — pode ser suficiente para criar um objecto cinematográfico. Por entre as frinchas de um academismo entediante (o cinema do paizinho, como dizia Truffaut) e de um argumento eficiente, raia a luz do cinema. Les adieux à la Reine vale por essa ponta de luz.