Não será da melhor escola iniciar uma crítica ao último filme de Oliver Stone dizendo que este é um cineasta inábil. Mas não há como lhe fugir, Oliver Stone é um cineasta inábil. Entenda-se que quero com isto dizer que é um realizador cuja capacidade de contar uma história sem espinhas é muito reduzida, em inglês dir-se-ia que realiza all over the place. Ao longo dos anos fomos percebendo que Stone lida com esta inconveniência contando história já por si confusas (as conspirações do Watergate e do assassinato de Kennedy ou o mercado bolsista) deixando o espectador embasbacado no imbróglio crescente e assim embrenhando-o na atmosfera do filme. Savages (Selvagens, 2012) é a sua última obra e infelizmente só se poderá dizer que é um filme inábil.
Dito isto, não quero dizer que Oliver Stone não seja um autor, isto é, um realizador cujos filmes têm características comuns e identificáveis. Ao longo de toda a obra de Stone percebemos que grandes figuras de poder são constantes nas suas histórias e esse poder atinge-se pela política [Alexander (Alexandre, o Grande, 2004), Nixon (1995), W (2008) e Comandante (2003)], pelo dinheiro [Wall Street (1987) e a sequela] ou pelo poder das armas [Platoon (Platoon – Os Bravos do Pelotão, 1986) ou Natural Born Killers (Assassinos Natos, 1994)] ou ainda pela honra [Born on the Fourth of July (Nascido a a de Julho, 1989) e World Trade Center (2006)]. Outro aspecto recorrente é a presença de personagens da contra-cultura (veja-se os soldados jamaicanos em Platoon e os manifestantes em Nixon) ou que simplesmente lutam contra o dito sistema, Born on the Fourth of July. Savages não é portanto excepção. O filme trata de um par de jovens amigos, sufistas, praticantes do amor livre, consumidores de estupefacientes (os da contra-cultura entenda-se) que por sua vez os produzem e comercializam tornando-se extremamente ricos (aquisição do poder através do dinheiro); check and check.
Curioso será apercebermos-nos de que há uma estratégia narrativa, várias vezes repetida ao longo da obra de Stone, que visa conferir aos personagens a capacidade de compreenderem o mundo à sua volta e o seu mundo interior: a alucinação. Vejamos: World Trade Center, um dos bombeiros alucina (devido às dores do esmagamento e à inanição) com um cristo oferecendo-lhe uma garrafa de água, a partir daí sabemos que há uma certificação divina que o salvamento do bombeiro se dará; Nixon, quando o escândalo é já demasiado grande Nixon alucina com a mãe (já falecida), correspondendo ao momento em que este admite o erro e pede desculpa pela trafulhice aos olhos da sua consciência; Platoon, a alucinação (a trip) é o único escape aos horrores da guerra; e a lista poderia continuar. Sendo Savages um filme sobre a máfia e o tráfico de droga é natural que este elemento esteja presente, o que é curioso é que o seu propósito no filme é completamente inesperado: o amor.
Os dois moços são dois jovens que, para além do negócio da droga e a amizade, têm algo em comum, uma rapariga, a namorada de ambos – a única que os pode juntar diz ela a certa altura. O filme começa e somos apanhados por uma cena de fornicação pesada (ela tem orgasmos ele ter ‘wargasmos’, é a menina que nos conta em voz off). Ele é o namorado que esteve no Iraque, percebemos a fúria sexual. Depois chega o outro (esteve em África a ajudar as criancinhas) e lá vai ela para o quarto dar-lhe as boas vindas (um faz sexo, o outro faz amor; de novo é a menina que nos confessa estes dramas de lençol). A questão prende-se com o facto de os três fazerem o sexo (ou o amor?) juntos, apenas quando um estupefaciente está presente. Só um estado de alteração psíquica lhes permite consumar o amor a três, só esse estado lhes permite a felicidade da relação.
Regressando ao início, lá por Stone ser coerente nas suas obras não faz delas melhores e com certeza não faz deste Savages um filme menos desequilibrado. O problema primeiro é uma fotografia tipo CSI cheia de filtros e cores esticadas e constantes reflexos na lente que tanto Michael Bay como J.J. Abrams parecem adorar. Depois vem a referida voz off que começa por nos avisar: lá por eu vos estar a contar esta história não quer dizer que eu acabe viva no fim. Um estratagema de manipulação emocional [repetido do igualmente mau The Lovely Bones (Visto do Céu, 2009)] que se prolonga na construção das personagens. Tudo é esquemático, feito para nos prender o coração, tentar insuflar aqueles pedaços de cartão ambulantes: o Travolta tem a mulher com cancro, o Del Toro está a passar por um divórcio, a menina tem uma mãe que não lhe dá atenção e a Salma Hayek tem uma filha que não lhe liga nenhuma. Tudo feito à medida para encaixar no puzzle, mas como disse, Stone é inábil e as costuras estão todas à vista, sente-se a artificialidade de toda a empresa, culminando num mexican standoff que para além de nos esfregar Leone na cara trás o gimmick do Funny Games (Brincadeiras Perigosas, 1997) de Michael Haneke simplesmente por preguiça na escolha de um ending.
O que entristece é o facto de haver boas intenções, manifestamente na construção de um subplot sobre a crise. Temos um tipo (Emile Hirsch) que era corrector da bolsa e passou a trabalhar para os traficantes porque o trabalho era o mesmo e o lucro maior. Stone a dizer que Wall Street é como o negócio da droga: o consumidor é que fica fodido. Mas é tudo tão sem jeito, tudo tão inconsequente, que não chega sequer para entreter.