A estreia de Une vie meilleure (Uma Vida Melhor, 2011) não poderia calhar em altura mais propícia — a comparações, à identificação do espectador com os protagonistas. As personagens do filme de Cédric Kahn vão atrás de um sonho fugaz (a tal vida melhor) e acordam no pesadelo da actual conjuntura económica em que, ao contrário do que é propagandeado, qualquer tipo de empreendedorismo é punido com severidade, qualquer tentativa de ascensão social é coarctada.
A história do self-made man, do tipo que, à custa do suor e trabalho, se safa da pobreza e dos remendos (rags) e alcança o sucesso e todas as riquezas (riches), já não tem lugar neste tempo. Parece uma figura tão mítica quanto os deuses do Olimpo. Kahn e a co-argumentista Catherine Paillé, inteligentemente, montam a primeira meia hora de Une vie meilleure à volta dessa construção: Yann (um cozinheiro) conhece Nadia (uma empregada de mesa) e juntos compram um restaurante decrépito e transformam-no num projecto de êxito garantido. Esses primeiros momentos são quase idílicos, desde a corte que Yann faz a Nadia até à “aparição” meio fantástica do restaurante, passando pela maneira como toda a gente se propõe a ajudá-los. Um conto de fadas.
Só que o espectador, sabendo que vê um filme realista e que as coisas nunca são assim tão boas, aguarda o descalabro. E ele aí vem, e mais uma vez me socorro de um inglesismo, with a vegeance. Quando as coisas começam a correr mal para Yann, Nadia e o pequeno Slimane (filho desta), não há fundo em que possam bater, já que no poço em que caíram cada golpe do destino promete ainda outra provação. E outra. E outra. Vêem-se de repente emaranhados na teia dos bancos que emprestam aos que não podem pagar, dos oportunistas que andam à caça dos ingénuos, de uma sociedade em que ninguém quer saber do outro. Everyone out for themselves.
Que diferença entre a esta triste realidade e o universo fabuloso de Le Havre (Le Havre, 2011) de Aki Kaurismäki. Cédric Kahn faz sofrer as suas personagens, fá-las galgar aquele calvário, mostra-nos na restante hora e meia de Une vie meilleure os commeupances (ainda outro inglesismo) de quem ousa — altura para elogiar o trabalho de Guillaume Canet, que, se se apresenta cocky e cheio de esperança ao princípio, acaba derrotado, a arrastar as suas mágoas nesta descida aos infernos. Não chegaria ao ponto de defender que o filme de Kahn é qualquer tipo de pornografia das dificuldades (embora percebesse se alguém o fizesse), mas no final pouco mais se retira do que um conto exemplar, que não serve nem para uma catarse individual nem para uma colectiva. Que diferença para o universo fabuloso de Le Havre. O filme de Kaurismäki era um comentário bem mais perverso e ácido ao nosso mundo. Ou até mesmo que diferença para a maceração de Le graine et le mulet (O Segredo de um Cuscuz, 2007) de Abdellatif Kechiche.
Os anglo-saxónicos têm um adjectivo perfeito para qualificar obras como Une vie meilleure: topical. Pode ser que, num futuro próspero, sirva de documento de estudo da sociedade ocidental nos inícios do terceiro milénio; agora, realismo social demasiadamente escorreito, é meramente um espelho em que se reconhece a actualidade do telejornal.