Desde há vários anos o cinema português e o seu público têm vindo a distanciar-se, o segundo porque se deixou de interessar por cinema (em particular aquele que não quer ser filho da máquina americana) e o primeiro porque, em nome da liberdade artística, preferia fazer filmes completamente alheados do seu meio. Assim sendo, vários outros artistas foram marcando a sua posição contra este estado de coisas, de salientar António Pedro Vasconcelos e Joaquim Leitão, curiosamente (ou nem por isso) os realizadores que mais pessoas levaram às salas nos últimos 30 anos.
Desde o final dos anos noventa (mas maioritariamente nestes, já acabados, anos zero) outros cineastas foram aparecendo com o mesmo objectivo de separar as águas, isto é, quiseram fazer um cinema que levasse as pessoas às salas e que mimetizasse os mecanismos formais que o espectador se habituou a esperar de um filme americano. Francisco Manso é um deles, poderíamos referir Lionel Vieira e Fernando Fragata ou mais recentemente Nicolau Breyner e Vicente Alves do Ó. O seu trabalho começou (cá está) na televisão (como todos os outros) assinando várias séries, invariavelmente filmes televisivos sobre personalidades históricas (Soares dos Reis, Mário de Sá Carneiro, Antero de Quental, Almeida Garrett, Florbela Espanca), até que se estreou na longa de cinema com O Testamento do Senhor Nepomuceno (1997) adaptando um romance de Germano de Almeida, cuja recepção foi boa. No entanto, regressaria à televisão e só voltaria a realizar dez anos depois com A Ilha dos Escravos (2008) e no ano seguinte O Último Condenado à Morte (2009).
Para tentar fugir aos costumes do drama televisivo a opção de Manso foi contar histórias num período da nossa história muito anterior, ou seja, durante os Descobrimentos. Assim, uma grandeza de produção ofuscaria todos possíveis defeitos que o filme tivesse. Esse método de realização ofuscante é talvez a única marca autoral do Francisco Manso. Incapaz de filmar algo que não o mesmo filme televisivo, com a mesma musiquinha e os mesmos travelings laterais, Manso pretende sempre ofuscar o espectador das suas incapacidades através de uma grandeza de meios aparente.
Mas o período histórico avançou, agora Francisco Manos filma os heróis da luta contra o fascismo, Henrique Galvão em O Assalto ao Santa Maria (2010) e Aristides de Sousa Mendes em Aristides de Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus (2011). Talvez motivado pela crise financeira e impelido por uns vapores de patriotismo, Francisco Manso virou-se para a manufactura de heróis de pacotilha, daqueles que é só adicionar água, próprios de um tempo de crise de identidade nacional. Aliás, será curioso reparar num aspecto comum nestes dois filmes: a representação da nacionalidade em terra estrangeira. Se em O Assalto estamos a bordo do paquete Santa Maria em alto mar e em O Cônsul estamos em França durante a ocupação nazi, os nossos protagonistas acirram a sua nacionalidade através desse símbolo básico que é a bandeira. Veja-se pois a cena final de O Assalto, em que o nosso protagonista já morto, é embrulhado numa bandeira ou em O Cônsul em que Aristides embrulha numa bandeira um monte de passaportes que irá entregar ao judeus em fuga.
Será curioso analisar estes dois filmes como díptico nacionalista: ambos têm a assinatura de João Nunes (co-adjuvado por Alves do Ó no primeiro e António Torrado no segundo – este que é já colaborador de Manso há vários anos); ambos partilham o elenco na sua quase totalidade, Carlos Paulo e Vítor Norte são as figuras centrais dos dois filmes acompanhados por Leonor Seixas, Pedro Cunha e João Cabral; ambos têm narrativas construídas através da voz off de um narrador que é personagem na história e é entrevistado por um jornalista; ambos olham para a figura histórica por portas travessas, isto é, contando a história de um desconhecido (um ladrãozeco de Caracas, e um miudinho abandonando); ambos recorrem à técnica do mapa como elemento dramático (o gag dos Marretas do travel by map).
Se referi os Marretas é porque a coisa se aplica; o desejo de fazer um cinema à americana tem levado a que os filmes consistam num amontoado de clichés já tão batidos que até os Marretas tornaram-nos em piadas. Tudo é tão risível que chega a dar pena: sempre que um dos personagens históricos fala parece que se trata de um discurso de inspiração à batalha (há um que de tão ridículo acaba em palmas dos presentes), os heróis são livres de toda a mácula – e estão sempre dispostos a dar conselhos ao mais novinhos – e os maus são mesmo ruins. Mas acima de tudo o que incomoda é esse desejo de fazer grande, de tentar fazer um Titanic à portuguesa ou uma Lista de Schindler nacional. Tudo, desde os décors à maquilhagem, revela que aquilo que ali se está passando é completamente incapaz, mesmo que bem intencionado. Querem fazer filmes à máquina mas revelam que por cá tudo é feito à mão, e nem todos têm unhas para esta guitarra.
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Filme muito interessante e educativo. Faz lembrar “A vida é bela”. Os erros técnicos referidos pelos vários críticos não mancham a história. Bem filmado, com guarda roupa interessante, bons adereços e figuração. Claro que é uma produção Low cost. Não se compara a hollywood. Mas gostei muitíssimo mais deste filme do que a biografia de Tatcher. Esse sim, achei mal feito e até degradante para uma figura histórica (certamente controversa) mas ainda viva.
Este filme faz juz à memória do homenageado e não tem um cariz de documentário, apresenta uma história paralela romanceada que serve para perspectivar os acontecimentos históricos.
~Como assim herói de pacotilha?
Deve preferir os ronáldos…