Andrew Dominik havia deixado uma excelente impressão com a sua longa-metragem anterior, The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford (O Assassínio de Jesse James Pelo Cobarde Robert Ford, 2007), em que explorava a vida e (principalmente) a morte do lendário ladrão e assassino americano, ou melhor, escavava para além do mito e descobria a vaidade que se confunde com carisma, a paranóia que aparenta ser inteligência, a violência desregrada que os outros tomam por força e autoridade. E dava também o papel de uma vida a Brad Pitt. O que aumenta a desilusão com este forçadíssimo Killing Them Softly (Mata-os Suavemente, 2012).
É verdade que se avistavam sinais perigosos na obra anterior de Dominik: o excessivo uso da violência gráfica para agarrar o espectador, a escala descomunal da história (que, por vezes, ameaçava resvalar para o épico), o panteísmo a martelo (ou o Malick a martelo). Mais, este Killing Them Softly faz desconfiar dessa boa impressão que The Assassination causou. Pior, faz com que, retroactivamente, se goste menos desse filme; como que põe a nu as limitações de Andrew Dominik, em vez de dar ideia de que é apenas um tiro ao lado ou um passo atrás.
Afinal qual é o problema com Killing Them Softly, ou melhor, quais são os seus problemas? Para começar, a forma como Dominik grita o tema do seu filme aos quatro ventos – a América não é uma comunidade, é uma terra de oportunistas, em que se fazem negócios mais ou menos ilícitos. Para tal, chega a pôr o protagonista, de novo interpretado por Brad Pitt, que parece tão cansado daquela historieta como o espectador, a proferir, no final, palavras muito parecidas. Um sinal da inabilidade de passar a “mensagem” de maneiras mais subtis – pense-se em como os Godfathers de Coppola o faziam tão bem sem precisarem de matraquear de minuto a minuto a ideia. Outro é a constante ligação ao discurso político dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama e John McCain (o filme passa-se em 2008). Apesar destes jamais estarem no lugar da acção (antes em televisores de bares, aeroportos e quejandos), nunca estão exactamente em fundo, mas, sim, num primeiro plano que as próprias personagens, à excepção talvez da de Pitt, não parecem merecer. De resto, Dominik aparenta não gostar especialmente delas – feias, porcas e más, simples marionetas que ajudam a elaborar um discurso.
A falta de subtileza atinge níveis risíveis quando uma personagem se injecta de heroína e na banda-sonora se ouve Heroin dos Velvet Underground: dá ideia que alguém foi ao catálogo de canções sobre droga e trouxe a primeira que lhe saiu (ou a que tinha o título mais ajustado ao momento). De fugir também aqueles efeitos visuais com que Dominik obriga o espectador a sentir a experiência de estar drogado. Claro que a única coisa que o espectador sente é uma crescente irritação. Não menos irritante é a morte de Ray Liotta, um interminável ralenti de que não se percebe muito bem a função ou o objectivo. E que não tem quaisquer qualidades redentoras. Ou o espancamento de Ray Liotta (que sofre bastante neste filme), exagerada e desnecessariamente violento. Ou o inevitável tom cinzentão que marca a fotografia de Killing Them Softly (já me enganei a escrever o título algumas vezes, saindo-me ao invés Killing Me Softy, só que se o filme me mata, não é propriamente com suavidade).
A única coisa engraçada de Killing Them Softly é a interacção entre Brad Pitt e James Gandolfini, que faz de Tony Soprano… não, de um gangster alcoólico, mulherengo e completamente em perda. Nessas cenas Dominik até se esquece do seu programa, deixando-se levar pelo gozo. Contudo, não compensa o fastio do resto.