O mal explicado assassinato do General Humberto Delgado às mãos de uma brigada da PIDE é matéria para um belo thriller político, no entanto, Operação Outono (2012) fica sempre aquém daquilo que poderia ser, mais uma tentativa de cinema de género em Portugal que deixa algo a desejar em relação ao que se faz lá fora. E Bruno de Almeida, apesar de ter vivido e trabalhado em Nova Iorque durante bastantes anos, incorre nalguns erros habituais no cinema português, recuperando até um que se julgava ultrapassado.
A escolha de John Ventimiglia – mais conhecido pelo seu papel em The Sopranos e amigo de Bruno de Almeida [entrou, por exemplo, em The Lovebirds (2007) do realizador] – para interpretar Delgado pode ter deixado alguns de pé atrás (por nacionalismos bacocos, talvez) e a verdade é que actor nunca parece perceber muito bem em que filme está metido (esbraceja e gesticula muito como se estivesse a tentar agarrar a alguma coisa). Só que nunca poderia vencer a terrível dobragem, que sabota por completo o seu trabalho. A voz (de Rogério Samora – e não ajuda ser tão reconhecível) jamais parece sair do seu corpo, antes vinda da sala ao lado, do rádio, do Além, de qualquer sítio menos da boca de Ventimiglia. Os anglo-saxónicos têm uma boa palavra para este fenómeno: disembodied. Costuma é ter outras conotações, mais fantasmagóricas, que claramente não estavam previstas para este filme. Já não se ouviam problemas de som deste tipo no cinema português há muitos, muitos anos. E estranha-se a incompetência (pois não se vislumbra qualquer intencionalidade). O que vale é que Delgado não é a personagem principal de Operação Outono (mas custa ver uma figura tão complexa tratada tão superficialmente, reduzida à variedade “herói” constantemente irritado).
O(utro) problema é que, no meio de tantas personagens – a maior parte mera caricatura, veja-se a canastrice de Diogo Dória (um vilão que só falta piscar o olho ao espectador); nesse registo, salva-se José Nascimento (um dos muitos não-actores que participam; outro é Camané, que também não se sai assim tão mal) como o sinistro Barbieri Cardoso -, não se percebe bem qual é o protagonista. E é um problema porque acrescenta à confusão do argumento – assinado pelo realizador, por Frederico Delgado Rosa (neto do General Sem Medo e autor de uma biografia do avô) e John Frey – que também não consegue equilibrar as várias linhas narrativas, tropeçando em tempos e locais diferentes, enquanto tenta acompanhar a brigada da PIDE, a investigação da Polícia espanhola, o julgamento de Silva Pais et al. depois do 25 de Abril, etc., etc., etc. Sabe-se que a morte de Humberto Delgado ficou sempre envolta em mistério (muita gente se lembrará da entrevista de José Pedro Castanheira ao Inspector Rosa Casaco, aqui interpretado por Carlos Santos, que apenas ajudou a adensá-lo) mas tal não explica o desgoverno com que os autores comandam a história. Aproveita-se, ainda assim, aquela ideia de cada um dos envolvidos, ao jeito das personagens de Rashômon (Às Portas do Inferno, 1950), contar uma versão dos acontecimentos radicalmente diferente da dos outros (que, de resto, Almeida atraiçoa no final explicativo).
Por outro lado, dá a sensação de que esta não era duração intendida por Bruno de Almeida para Operação Outono, que às vezes tenta ser um fresco (ou semi-épico) sobre os anos anteriores à queda do Regime e os imediatamente posteriores, e que alguns problemas poderão ter a ver com cortes excessivos na montagem. Por exemplo, as personagens femininas são caricatamente secundárias; algumas nem chegam a proferir uma linha de diálogo (e outras pouco mais).
Feitas as contas, Operação Outono é uma oportunidade perdida, uma parte culpa de problemas estruturais do cinema português (o argumento), outra, de deficiências técnicas indesculpáveis (a dobragem, principalmente).