Gran Torino (2008) era para ser o último trabalho de Clint Eastwood como actor; e teria sido um belíssimo desfecho para a personagem que Eastwood construiu para si – algo entre o homem sem nome e o polícia Harry. Por vicissitudes da vida (o remake de A Star was born com a Beyoncé foi adiado devido à gravidez da cantora) abriu-se um período de inactividade na realização e Eastwood voltou para a frente das câmaras, desta vez pelas mãos de Robert Lorenz [desde In The Line of Fire (Na Linha de Fogo, 1993) que não era dirigido por outro que não ele mesmo].
Em termos de produção este é um filme que se apresenta como uma resposta a Moneyball (2011) – Anybody who uses computers doesn’t know a damn thing about this game – seguindo as pisadas chorosas de The Blind Side (Um Sonho Possível, 2009) – não será por acaso que a primeira escolha para o papel de Amy Adams tenha sido Sandra Bullock: e também não será de estranhar a presença do menino latino pobrezinho que encontra no desporto uma via para o sucesso.
Que filme foi capaz de desenterrar Eastwood da sua reforma? Um filme sobre a caminhada para a reforma (de um olheiro de baseball). Se existe uma espinha dorsal no cinema de Eastwood ela será (sem qualquer dúvida) a questão do envelhecimento e da passagem do testemunho. Podemos ver isso logo num dos primeiros títulos do realizador, Breezy (Ontem ao Fim do Dia, 1973), mas o tema vem surgindo ao longo dos trabalhos de Eastwood-realizador desde sempre [sendo por exemplo o mais recente J. Edgar (2011) um caso ímpar dessa mesma questão]. Como tal não será de estranhar que o projecto tenha agradado ao veterano actor.
O filme começa logo de forma demonstrativa, Eastwood está na casa de banho a tentar fazer a sua necessidade matinal e por motivos de próstata mirrada o fluido sai às pinguinhas e com dificuldade. Percebemos que este não é pois um filme sobre jovens adolescentes e as suas desventuras com o bastão de madeira. Muito pelo contrário, Eastwood vem apelando a um publico cada vez mais velho (os jovens que o acompanhavam quando era ele também jovem) e mais adulto – é esta a palavra-chave. No entanto, sentimos aqui que a persona Eastwood parece ter-se cristalizado: o rosnar que se vinha tornando cada vez mais sonoro começa agora a parecer motivo de risota. Tomando uso de uma metáfora automobilística, da mesma forma como certos motores ronronam de certa forma enternecedora, outros há cujo matraquear só revela avaria. Em Gran Torino o rosnido era uma ironia auto-induzida, aqui, porque a câmara tem dono diferente, sentimos que não se estão rindo connosco, mas sim rindo-se de nós [dele, entenda-se].
O apreciador do mestre Clint dirá pois que este é uma obra tarefeira e pouco interessante que escurece o trabalho que o realizador vem fazendo. Eu concordaria consigo, caro leitor, mas sendo eu um apreciador dos filmes de Eastwood, sou o primeiro a dizer que não me soaria estranho que realizasse ele um filme destes. A questão é que Robert Lorenz pega na história de um homem em fim de carreira (que não aceita tal término) e agarra-se com unhas e dentes à comédia romântica Adams/Timberlake que se vai passando no intervalos, e quando não temos banhos ao luar ou passeios e danças tradicionais, temos uma relação pai-filha (Eastwood/Adams) contada ao flashback que não escapa ao fazer próprio de uma série como Brothers and Sisters.
Mas então quem é Robert Lorenz? Consultando o trabalho do senhor percebemos que foi assistente de realização de Eastwood desde Absolute Power (Poder Absoluto, 1997) até Million Dollar Baby (Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos, 2004) e produtor desde Blood Work (Blood Work – Dívida de Sangue, 2002) até ao mais recente J. Edgar. É este o seu primeiro esforço como realizador; notamos pois que a relação de Eastwood com o projecto será coisa ela mesma de passagem de testemunho. Um seu pupilo lança-se agora às urtigas para aprender fazendo aquilo que viu sendo feito sem mácula e com aparente facilidade pelo tutor (Clint é produtor através da sua Malpaso Productions, tirando partido de grande número dos seus habituais colaboradores).
Se comecei por descrever a primeira cena do filme lanço-me à última, um travelling em direcção ascendente que filma Eastwood a afastar-se, de costas e com o casaco pela mão, quando momentos antes havia dito: parece que já não precisam de mim. Eastwood a deixar em boas mãos (?) o seu legado, está passado o testemunho.