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Críticas, Noutras Salas 1

Saikaku ichidai onna (1952) de Kenji Mizoguchi

De João Araújo · Em 23 de Dezembro, 2012

No início do filme, a personagem principal deambula de cara escondida pelas ruas escuras de uma qualquer aldeia japonesa, esquecida no fim do mundo. Ainda o filme está a começar, O’Haru apresenta-se já derrotada, para além de qualquer retomo: é o fim da esperança ainda que o início do filme. Uma prostituta de cinquenta e tal anos, condenada à sombra das ruas, procura refúgio do frio e do desalento no interior de um templo. Ao reconhecer, numa das figuras do templo, um rosto que recorda da juventude, O’Haru (interpretada pela magnífica Kinuyo Tanaka) é afectada por memórias do passado, numa reflexão que Mizoguchi partilha connosco. Mais do que contar ou enfeitar a sua história de vida, vemos tudo sob uma apresentação austera, como se tudo fosse, no fundo, inevitável. O filme voltará mais tarde a esta cena inicial, para continuar a história a partir deste momento, mas a escolha de revelar, desde logo, o triste fim de O’Haru é calculada. Saikaku ichidai onna (A Vida de O’Haru, 1952) é uma triste fábula, que apesar de por vezes indicar um vislumbre de uma saída, sentimos permanentemente a primeira cena do filme a pairar sobre o destino da personagem principal.

Saikaku ichidai onna (A Vida de O'Haru) de Kenji Mizoguchi, 1952

Mizoguchi ficou conhecido por ter um estilo visual muito próprio, fundamentado numa abordagem rigorosa e formalmente unificada. Vários elementos ajudam a caracterizar a identidade visual que trabalhou ao longo da sua filmografia, entre os quais a exploração da profundidade de campo dentro da composição, a manipulação da iluminação da fotografia (com interesse pelos jogos de sombras), mas o maior ênfase vai para os movimentos de câmara. Revelando uma preferência por planos longos, Mizoguchi habitualmente começa com um plano fixo, para depois passear a câmara pelo cenário, de forma a prolongar a continuidade da cena, orquestrando coreografias complexas entre os movimentos das personagens e da câmara. Estas sequências longas, sem cortes, frequentemente com mais de dois minutos e sem recurso ao plano aproximado, sustentam uma maior fluidez e tensão dentro de cada composição, construindo uma narrativa autónoma dentro do mesmo plano. A conjugação destes elementos, que revelam um cuidadoso estudo e planeamento, apropriam-se à história de A vida de O’Haru, despindo a história de adornos e assumindo um tratamento uniforme ao material, o que permite uma completa exposição da personagem perante o espectador. Além dos elementos tradicionais de Mizoguchi, há outro que ganha proeminência: a escolha frequente de filmar através de um ângulo elevado, olhando de cima para a acção. Este olhar, como se se tratasse de um ponto de vista divino, parece alertar para a inevitabilidade do seguimento da história rumo a um destino predestinado, sem que O’Haru tivesse algo a dizer sobre o assunto. Mas se O’Haru não consegue controlar o seu destino devido às acções do Homem, na forma como é tratada pelas pessoas à sua volta, Mizoguchi parece querer, com o ponto de vista elevado, igualar-nos na responsabilidade do que acontece a O’Haru, substituindo a entidade divina que controla as vidas dos outros pela sociedade que permite tal tratamento a um dos seus. Esta abordagem severa e uniforme, com um tratamento clínico da representação da realidade que pode ser comparada hoje ao cinema de Haneke, sugere um distanciamento emocional. Porém, a recusa em assumir um ponto de vista subjectivo, para uma análise-comentário à sociedade, resulta no efeito inverso, enfrentando de frente os problemas, evitando fugir às questões difíceis.

A história de O’haru é uma triste sucessão de episódios trágicos, uma espiral descendente, cada vez mais negra, e tal é o sofrimento a que O’Haru é sujeita, que lembra uma heroína saída dos filmes de Von Trier. A constante ilusão da possibilidade de redenção existe apenas para ser cruelmente negada e obriga a uma constante ajustamento à realidade. Durante várias vinhetas assistimos à sua queda: o capítulo mais importante é justamente o primeiro, pelas consequências nos actos seguintes. Ainda muito jovem, O’Haru trabalhava para a corte imperial quando se enamora por um rapaz (Toshiro Mifune) abaixo do seu estatuto social. O romance proibido, uma vez descoberto, termina com consequências trágicas: O’Haru e os seus pais são banidos da corte, forçados ao exílio, e o seu amor é executado. Este, antes de morrer, deixa-lhe uma mensagem que vai comprometer as suas acções seguintes : pede-lhe que encontre alguém com quem seja feliz, mas esta deverá casar apenas por afecto e não por outras razões. A vida no exílio é de curta duração, já que O’Haru é escolhida, contra a sua vontade, por um mensageiro de um lorde japonês, à procura de uma concubina para dar à luz um herdeiro. O’Haru faz o que lhe é exigido mas assim que a criança nasce, fica impedida de ter contacto com o seu filho, e, pouco depois, é expulsa do palácio. De novo no exílio, e de regresso a casa onde encontra a sua família inundada em dívidas, é vexada pelo pai por ter falhado no seu papel de concubina. Vendida a um bordel, O’Haru recusa-se a aceitar dinheiro, apesar de ser sexualmente abusada. São inúmeras as situações (além das descritas) que afligem O’Haru, mas que confluem para construir o programa do filme.

Mizoguchi sempre procurou ilustrar a condição feminina como subjugada ao materialismo da sociedade patriarcal japonesa, com especial incidência nas dificuldades das mulheres de condição social mais baixa. Esta perspectiva tenta criar empatia com a condição feminina, através da exposição das duras circunstâncias a que a mulher é sujeita na sociedade. Assume, também, uma perspectiva materialista no tratamento da mulher, na medida em que não raras vezes são usadas como mercadoria que é trocada. Este sentimento é sublinhado com um jogo entre várias sequências durante o filme. Um longo plano sequência em forma de travelling é utilizado para mostrar o primeiro amor de O’Haru, mas pouco depois uma sequência mimetiza o movimento para mostrar a tentativa de suicídio de O’Haru, ao ouvir as notícias da execução. Mais tarde, outro longo travelling exibe jovens raparigas enquanto são examinadas pelo mensageiro à procura da candidata ideal, exemplificando o binómio feminismo/materialismo. São várias as acções de castigo a O’Haru, e é-lhe constantemente relembrado que não tem o poder de decidir a sua vida.

Apesar da abordagem feminista em A Vida de O’Haru, Mizoguchi vai mais longe do que isso. A degradação da personagem não acontece apenas devido à imposição da vontade masculina, mas também devido à acção de outras mulheres ou, até, do acaso. Uma meditação mais abrangente pretende aludir à aceitação do sentimento de transitoriedade da vida, da efemeridade de tudo: nada é eterno. Apesar do fim anunciado logo no início, quando o filme retoma esse momento, O’Haru, contradiz o fatalismo previsível. A solidão é reconfortante quando se é assim tratada. Como diz alguém no filme, a morte é fácil, o mais difícil é a vida. E é no fim, sozinha, que O’Haru encontra finalmente a sua paz.

Saikaku ichidai onna (A Vida de O’Haru, 1952) será exibido na Cinemateca, dia 26 de Dezembro, pelas 15h30 na sala Dr. Félix Ribeiro.

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João Araújo

"I don't think the film has a grammar. I don't think film has but one form. If a good film results, then that film has created its own grammar" Yasujiro Ozu in "Ozu and The Poetics of Cinema", David Bordwell

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1 Comentário

  • Kinuyo Tanaka do outro lado da câmara: quatro filmes para descobrir | À pala de Walsh diz: 7 de Março, 2022 em 15:01

    […] Mikio Naruse [Okaasan (Mother, 1952)] e, sobretudo, Kenji Mizoguchi, tendo protagonizado Saikaku ichidai onna (A Vida de O’Haru, 1952), Ugetsu monogatari (Contos da Lua Vaga, 1953) ou Sanshō dayū (O […]

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