Mais ou menos a meio de Barbara (2012), Christian Petzold, realizador e co-argumentista (com Harun Farocki, seu mentor) do filme, mostra o seu jogo, ou seja, revela os seus preceitos cinematográficos: desviar o olhar do espectador do acessório e dirigi-lo para o principal. Ao contrário dos médicos a autopsiar o cadáver do ladrão do quadro de Rembrandt, que André e Barbara observam nessa cena, Petzold aponta directamente para o essencial: apesar das indicações em contrário (que estão lá, não digo para baralhar, mas que fazê-lo), esta é uma história de amor, ou melhor, de aceitação, o que vai dar ao mesmo.
Por isso, da atmosfera sufocante da Alemanha de Leste, separada não só da parte ocidental como do resto do mundo, em que os olhares perscrutam comportamentos desviantes, sempre prontos a denunciá-los às autoridades competentes, restam apenas alguns sinais, os suficientes para o espectador saber onde anda e compartilhar um pouco da paranóia da personagem titular. Aliás, não se percebe logo que Barbara é um filme de época. Christian Petzold não se presta ao kitsch de Good Bye, Lenin! (Adeus, Lenine!, 2003) nem tem a mão pesada de Florian von Donnersmarck para fazer outro Das Leben der Anderen (As Vidas dos Outros, 2006) [repare-se como o polícia é humanizado de uma maneira tão mais simples e eficaz, sem recurso a incompreensíveis transformações de personalidade].
Tão-pouco o passado misterioso de Barbara (a magnífica Nina Hoss), amante de um alemão ocidental, médica relegada para a província por razões nunca inteiramente explicadas e atentamente seguida pela Stasi, ou a “corrida contra o relógio” perto do final (ouve-se até um tic tac) têm a importância que a princípio se julga. Porque o que interessa a Petzold não é o contexto histórico-social, a psicologia das personagens, desenhadas em traços o menos descritivos possível (não confundir com caricaturas), nem as reviravoltas no enredo. Se sim, só na medida em que determinam as decisões de Barbara, ainda melhor, expõem a necessidade dos gestos, e, por fim, revelam a profundidade dos mesmos.
Christian Petzold vai ainda mais longe do que em Jerichow (2008), ossuda adaptação de The Postman Always Rings Twice, fornecendo ao espectador o mínimo dos mínimos em termos de informação, para que este nunca perca de vista o que ele lhe quer mostrar. A própria câmara participa neste jogo, escondendo situações, elidindo momentos, guardando distâncias, embora nunca se afaste das personagens e das suas emoções – não é nem de perto nem de longe tão c(l)ínica como a de Haneke, mesmo que aparente um semelhante grau de frieza.
No genérico final, quando os Chic cantam sobre como é ser livre no que é claramente uma gravação ao vivo (portanto, completamente liberta das restrições de estúdio), Barbara como que atinge a espiritualidade de um Bresson. Haverá liberdade na prisão? A resposta é afirmativa.