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Charulata (1964) de Satyajit Ray

De Luís Mendonça · Em 13 de Janeiro, 2013

Um dia Kurosawa disse que nunca se ter assistido a um filme de Satyajit Ray é como viver no mundo sem alguma vez ter visto o sol ou a lua. Afirmação que, para além de lapidar, se enquadra perfeitamente no espírito desta obra-prima do realizador indiano, na qual a protagonista, a bela Charu, e o primo do seu marido, Amal, vivem uma história de amor sem sol e sem lua.

Amal chega a escrever um poema que se chama “Luz do entardecer sem lua”. É a luz das estrelas?, pergunta Bhupati, seu querido tio, homem sensato e culto que ama a sua bela mulher Charu (Madhabi Mukherjee) quase tanto quanto o som das rotativas que apressam a impressão do jornal político de que é proprietário, o Sentinela. Amal, encavacado, responde que não é astrónomo – até aqui este jovem recém-licenciado ainda se achava nascido para a arte da palavra escrita, tal qual a personagem Apu, que o mesmo actor, Soumitra Chatterjee, interpretara no último filme da famosa trilogia também realizada por Ray. Mas regresse-se de uma vez por todas ao filme que aqui me traz: Charulata (1964), obra que canta o amor à vida vis-à-vis a mágoa de se estar vivo, tecendo livremente a expressão mais depurada e inefável da “arte poética” de Ray.

Salvo erro, era Rivette que dizia que as maiores obras-primas do cinema são sempre, de uma maneira ou de outra, documentários sobre a sua rodagem. Charulata começa, logo nos primeiros minutos se não logo no título, por identificar o realizador do filme no filme: a própria Charu, a “mulher solitária” (= título inglês do filme) que, entre quatro paredes, inventa o seu próprio cinema, com o olhar delimitado pela janela de casa e socorrendo-se de uns binóculos. Com efeito, a portada da janela determina o que pode ver, produzindo “o quadro”, ao passo que o instrumento ocular faz o olho ver mais longe sem, com isso, o tornar mais visível. Pormenor: estamos em 1870, logo, o cinema privado de Charu, anterior ao cinema público dos Lumière, apenas se revela no imaginário. Para Charu, este cinema só do imaginário (privado, íntimo, lúdico) tem uma função, porquanto o voyeurismo se produz no interior para atenuar a fome que o corpo e o olho têm do exterior. Não é bem um regime de clausura, mas mais de “câmara escura” (sem sol e sem lua?), uma “chambre” onde Charu diz ter-se acostumado a estar só. O marido objecta que ninguém se pode acostumar a estar só, mas ele não conhece o mundo secreto de Charu e a sua curiosidade pós-cinéfila, pré-cinematográfica, pelo mundo.

Não se pense que Ray fez Charulata para denunciar, qual Naruse bengali, a situação de cativeiro em que vive a mulher indiana ou para produzir a crítica a uma sociedade arcaica e machista. Não, Bhupati é um homem moderno, sensível à solidão da sua mulher, mas incapaz de lhe fornecer a atenção devida. Esta “falta” angustia-o, sendo que não nega, brincando sem malícia, que o seu amor à política e ao jornalismo são as grandes rivais com que Charu se tem de bater. Bhupati é um homem cosmopolita e de bom coração que – espante-se! – ama e respeita de facto a sua mulher. É ele que a vai estimular a pôr em prática o seu amor às letras, é ele que se apressa em encontrar a companhia certa de que esta precisa. A confiança deste homem pela sua mulher é comovente e genuína, através dela o nosso fascínio por Charu tem tudo para ir crescendo à medida que ela vê, se dá a ver ou, em suma, revela a nós o filme, pelo seu olho nu de cineasta ou, de novo, mediada pelos binóculos que traz consigo. Charu é o alter ego de Ray aqui, é ela que produz as imagens do filme, é ela que encadeia a narrativa de amor, seja cosendo uns chinelos para Amal ou um lenço para o marido, seja desafiando a gravidade num baloiço – cena magnífica onde, já de olho livre (= sem binóculos), o plano da câmara de Ray volta a coincidir com a visão de Charu.

Revelação de um olhar a partir de dentro. É isso que este filme sublime nos oferece – na realidade, é isso que ele é. Esta dimensão interior, privada, cinéfila ou cinematográfica, sem lua e sem sol, cria uma paridade mais imediata com outra obra-prima absoluta de Ray, Jalsaghar (Salão de Música, 1958). Também aqui sentimos o isolamento ou a solidão não como a experiência de uma prisão mas antes como uma condição de se estar vivo no mundo; não como produto da sociedade mas como condição sine qua non de produção do lado mais (dolorosamente) humano do Homem – o amor não é a arte da distância? O cinema não é a arte da distância? Claramente, continuo a falar de um documentário das emoções feitas imagens. Já Wim Wenders, o teórico, traduzia imagens em movimento em (e)motion pictures. Curioso que Ray, no fim, resolva o choque existencial de Bhupati com o mundo, onde a confiança não passará de uma quimera, retirando o movimento (motion) à imagem e, com isso, isolando nela a emoção profunda associada a qualquer amor, mesmo – ou mais que tudo… – ao amor traído (emotion). Não há muitas palavras úteis que alguém como eu possa dispensar a um filme tão belo como este. Aliás, nem sei se merecemos um filme como Charulata. Há obras assim: infinitamente melhores que nós. Obrigado, senhor Ray.

Charulata passa dia 14 de Janeiro (segunda-feira), às 21h30, na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

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Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

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