Em 1957, tínhamos sido avisados por Scott Carey em The Incredible Shrinking Man (Sentenciado, 1957), naquele extraordinário monólogo final cujos conceitos vão muito além do que eu consigo conceber (valia todo um tratado por alguém mais sabido): o grande e o pequeno são coisas muito relativas. O filme era de Jack Arnold, realizador também pequeno entre os grandes e que fez westerns, filmes de terror, ficção-científica, blaxpoitations e essa pérola chamada Man in the Shadow (1957) com Jeff Chandler e Orson Welles. Dois filmes do mesmo ano e produzidos por Albert Zugsmith, pequeno produtor de Welles e Sirk, nos anos 50, e realizador de um dos melhores filmes com Vincent Price, Confessions of an Opium Eater (O Fumador de Ópio, 1962). Tudo boa gente. Mas antes que me perca, escrevo que a única longa de Saul Bass se rege pelo mesmo princípio desse monólogo, que não resisto a citar parcialmente: “So close – the infinitesimal and the infinite. But suddenly, I knew they were really the two ends of the same concept. The unbelievably small and the unbelievably vast eventually meet – like the closing of a giant circle”.
Saul Bass é conhecido principalmente pelo seu trabalho como designer gráfico em Hollywood. Foi descoberto por Otto Preminger e a partir dos anos 60 começou a trabalhar com a gente grande de Hollywood, chegando mesmo a conceber sequências inteiras para alguns filmes. Antes de Phase IV (1974), realizou três curtas-metragens, sendo Why Man Creates (1968) a mais conhecida. E se parece estranho que o homem que fez os créditos iniciais de Vertigo (A Mulher que Viveu Duas Vezes, 1958) e The Man With the Golden Arm (O Homem do Braço de Ouro, 1955) tenha realizado um filme tão modesto e discreto como Phase IV, a verdade é que se pode argumentar que aquele labor de fazer conter vários temas num só símbolo (como nos posters e sequências que fez, por exemplo), também aqui está presente na circunferência que tanto intriga a personagem de Michael Murphy (um dos cientistas que viaja ao Arizona para estudar e monitorizar várias colónias de formigas). “Like the closing of a giant circle”… Ou então, fartou-se de trabalhar com a gente grande e resolveu expurgar a justa medida dos seus sonhos. Que fossem sobre formigas, tanto melhor. Provocar a queda das lides da indústria e não poder trabalhar regularmente durante quinze anos, porque não dão trabalho a quem filma insectos e faz filmes destes. Querer qualquer coisa. Ar fresco, sabáticas, vislumbres de tudo e de nada ou os desejos loucos, vãos e inúteis de que falava Skorecki quando descrevia os realizadores da Hollywood que passou e não mais voltou. Arriscar. Sair da toca como saiu Kendra – na imagem acima -, a órfã assustada que chorou mais a morte do cavalo que a do velho casal que a acolhia, no deserto, e partiu para a morte certa: “O, how sweet to walk in this pilgrim way, leaning on the everlasting arms. O, how bright the path grows from day to day, leaning on the everlasting arms.” Só que o que é certo não é tão certo assim nem tudo tem em conta. Há sempre a possibilidade de haver surpresas.
Bem, antes que também este texto se converta em fantasia, tomemos outra via mas para o mesmo assunto. O grande e o pequeno. Convém primeiro situarmo-nos. O processo de evolução de um grupo de formigas do oeste dos Estados Unidos é acelerado exponencialmente até começar a afectar a cadeia biológica e transformar antigos predadores em novas presas. James Lesko (Michael Murphy) e o Dr. Ernest Hubbs (Nigel Davenport) montam um laboratório para acompanhar as fases do processo. Eles tentam isolar a zona e pedem a quatro habitantes do deserto que o abandonem, por motivos de segurança. Eles não vão e são as formigas que os levam, sobrevivendo apenas a jovem Kendra (Lynne Frederick). E são estas três personagens que se barricam no laboratório e assistem à multiplicação das formigas sem nada poderem fazer. Nós assistimos a isto levados a pensar que é um monster movie banal, o que não sabemos é que Bass tem o monólogo de Shrinking Man decorado e sabido e vai materializando à frente dos nossos olhos o que é relativo no grande e no pequeno. No último terço do filme, faz o raccord (formal e temático) entre as formigas e os humanos, depois de espalhar vários planos-subjectivos das formigas e usar as filmagens fabulosas em close-up de Ken Middleham para o filme com grandes resultados. Vemos elogios fúnebres, sacrifícios pelas colónias, padrões e monumentos, mensagens, comícios, uma civilização a estender o braço a outra, para fechar o grande círculo e chegarem juntos à quarta fase do título do filme. O cúmulo do efeito do raccord é o grupo de planos duma formiga que consegue entrar no laboratório e vagueia pelo corpo de Kendra sem nada lhe fazer. O cúmulo do efeito da materialização do relativo entre o grande e o pequeno seria uma cena final de 7 minutos que foi cortada pelos estúdios que queriam vender o filme como um monster movie. Mas a coisa correu-lhes um bocado mal e o filme ainda resulta nos termos de Bass. Com um final amargo e de enigmas ao som do vento do Arizona.
Num grupo de conferências que foi transcrito e publicado como The Craft of Science Fiction, Theodore Sturgeon perguntava “Where do you get your ideas? You look around you. You say ‘What if…’, ‘If only…’ and ‘If this goes on…'” A grande ficção-científica pergunta todos estes “if’s” e acrescenta mais uns quantos, faz-nos duvidar dos dogmas e apresenta-nos alternativas. Questiona os mecanismos naturais e civilizacionais e lança profecias. Phase IV até pode nem ser grande ficção científica (mas ao menos não é “grande” ficção científica), mas faz algumas perguntas e lança algumas profecias. Sem ser Tarkovski ou Malick, diz que existe. E como vivemos num mundo que, não sendo de ficção científica, foi celebrando os grandes e os “grandes”, ignorando os pequenos, precisamos de quem vá dizendo “And I felt my body dwindling, melting, becoming nothing. My fears melted away. And in their place came acceptance. All this vast majesty of creation, it had to mean something. And then I meant something, too. Yes, smaller than the smallest, I meant something, too. To God, there is no zero. I still exist!”