À primeira vista, The Taking of Pelham One Two Three (1974) pode parecer um heist movie no metropolitano nova-iorquino, a história de um assalto muito bem montado e perfeitamente incompreensível para os polícias que o tentam deter, do duelo entre o inteligente e implacável cabecilha dos criminosos (Robert Shaw) e o polícia descontraído e imperturbável (Walter Matthau). Só que um olhar mais atento adivinha que o verdadeiro tema do filme é Nova Iorque e que as estrelas são essas esplêndidas criaturas, os nova-iorquinos. De resto, haverá poucos filmes que apanhem tão bem a cidade e os seus habitantes quanto este [um deles será Inside Man (Infiltrado, 2006) de Spike Lee, o verdadeiro remake de The Taking of Pelham].
Com isto, não quero afirmar que não funciona muito bem enquanto representante do seu sub-género: foi, aliás, aqui que Quentin Tarantino desencantou a ideia de dar nomes de cores aos assaltantes de Reservoir Dogs (Cães Danados, 1992) e toda a gente sabe que Tarantino escolhe cuidadosamente as suas “homenagens”. A atenção dada aos pormenores do assalto, tanto pelos seus perpetradores como pelos autores do filme [o argumentista Peter Stone, responsável pelos hiper-hitchcockianos Charade (Charada, 1963) e Arabesque (Arabesco, 1966) de Stanley Donen, e o realizador Joseph Sargent, com currículo curto em cinema e extenso em televisão] é primorosa e delicia e confunde o espectador, que assiste a tudo tão estupefacto quanto a polícia mas bem mais divertido.
De princípio vê um homem bastante suspeito, de bigode postiço e gabardina, com um embrulho debaixo do braço (e um espirro denunciador – Gesundheit), a entrar no metro que partira de Pelham à uma e vinte e três com destino a Lexington Avenue. Depois, noutra estação, outro homem suspeito de bigode postiço e gabardina com um embrulho debaixo do braço. Na seguinte, ainda outro. E, por fim, os sapatos do líder (com os mesmos embrulho e vestimenta e similares pêlos falsos), antes de este entrar no metro e tomar conta da situação: dos embrulhos saem metralhadoras, o condutor e o pica são rapidamente manietados, e um grupo de passageiros é feito refém (o objectivo dos assaltantes é pedir um milhão de dólares pelo resgate). Mais parece uma coreografia. Do outro lado, observa a lenta reacção da polícia, dos diversos departamentos e instituições da cidade que comunicam tão deficientemente entre si (num “estudo das instituições” que lembra a obra-prima televisiva The Wire).
E é precisamente deste lado da lei que se começa a desenhar o belíssimo retrato de Nova Iorque, uma cidade suja e perigosa que desapareceu depois do reinado Giuliani e persiste apenas naquele sotaque espantoso (em que os erres soam a iis) que se descobre sobretudo fora de Manhattan (hoje em dia, a famosa ilha tem mais out-of-towners do que outra coisa e é nos outros borroughs que se encontram os verdadeiros espécimes). É, portanto, uma “Nova Iorque desaparecida”, que ainda se reconhece aqui e ali (nunca em Midtown). Ajuda que The Taking of Pelham tenha sido filmado on location – aquelas ruas são inconfundíveis -, no entanto a virtude está no casting: os passageiros que riem quando vêem as armas, a bêbada que dorme durante toda a situação e só acorda no final, aquele inspector do metro misógino e racista, o Mayor cobardolas e constipado, o número dois esperto e sabido (o alleniano Tony Roberts, que ainda anda para aí a pisar os palcos da Broadway). Até os actores principais, tirando o inglês Shaw, são indígenas: Matthau nasceu no Lower East Side; Jerry Stiller, pai de Ben, em Brooklyn; Martin Balsam no Bronx. Palavras e vénia são ainda devidas a Peter Stone, um californiano, pelos maravilhosos diálogos que agarram o cinismo, a desenvoltura, a chico-espertice, a candura dos habitantes da melhor cidade do mundo.
Ou seja, se se quiser conhecer Nova Iorque, em vez de perder tempo e dinheiro na viagem de avião, nas enchentes em Times Square, Rockefeller Center e afins, mais vale gastar uma hora e meia a ver The Taking of Pelham One Two Three.