É curioso perceber que com alguma frequência acontece um fenómeno estranho na produção cinematográfica, a duplicação. Aquando do biopic sobre Truman Capote [sobre a escrita de In Cold Blod – Capote (2005)] surgiu um outro filme sobre o escritor [Infamous (Infame, 2006)], aquando da biografia sobre Coco Chanel protagonizada por Audrey Tautou [Coco avant Chanel (2009)] surgiu um outro filme sobre a mesma figura agora associada ao famoso compositor – Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009), agora com o maquilhado Hopkins a envergar o papel de Alfred Hitchcock temos Hitchcock (2012) acompanhado pelo telefilme da HBO, The Girl (2012).
O que notamos é pois que muitos destes projectos são resultado de uma moda que arrasta técnicos e actores para filmes que são, muitas vezes, pastelões académicos sem chama e nos moldes da ficção televisiva, veículos para actores em busca de estatuetas [penso agora em La môme (La vie en rose (2007) ou The Iron Lady (A Dama de Ferro, 2011)] e potencial para os técnicos da maquilhagem mostrarem as seus silicones e assemelhados. Hitchcock consegue acertar em todos estes pontos, televisivo? check, Anthony Hopkins a tentar mais um senhor dourado? check, uma maquilhagem que já recebeu uma nomeação para o oscar? check.
A base deste filme é uma que já deu melhores resultados e que aqui não surpreende: por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Se a vida do casal em questão for uma de retiro e pacatez então é certo que mais portas se abrem à imaginação do argumentista para enredar traições e desconfianças, tudo em nome de um sumo mais saboroso e dum filme mais aquecido. Mais do que qualquer outro problema, é essa telenovelização da vida privada de Alfred Hitchcock e sua mulher, Alma Reville (uma Helen Mirren dedicada), que mais incomoda.
Fora isso, podemos destacar uma realização decorativista da parte Sacha Gervasi, que parece incapaz de aprender uma lição que seja do mestre que filma e por sua vez as contraria, quase ponto por ponto. Especificando, Hitchcock é aqui, mais que tudo, um boneco, uma acumular de silhuetas à lá Hitchcock Presents, como se o homem (o génio) fosse um resultado de arte pop já sem significância no mundo artístico a não ser como o ícone em que se transformou (e convenhamos, ele soube cultivar). Outro aspecto relevante é o facto de o simbolismo do filme ser, todo ele, um resultado de simplificação (redução?) do génio: desde a associação do génio à psicose ou à construção de uma personagem cujos desejos são os de uma criança adulta e perversa.
Há por seu lado notas de interesse no filme, uma é o facto de não ter sido permitido o uso de imagens do filme Psycho (Psico, 1960) cuja produção é o tema do filme e a habilidade com que se evita a tela, outro são os comentários sardónicos do veterano realizador realizador e dos funcionários dos estúdios da Paramount sobre a produção cinematográfica dos anos cinquenta. Um pormenor em particular guardei na memória: várias vezes se desdenha do nome (e os filmes) com Jerry Lewis (e Dean Martin) [a certa altura um executivo, antevendo o falhanço do filme diz, pelo menos temos a estreia de Cinderfella (Cinderelo dos Pés Grandes, 1960) este natal]. Pois bem, a cena final do filme, onde creio que não será revelar de mais, vemos um Hitchcock a fingir-se de maestro de gritos, quando gesticula ao ouvir as reacções do público que assiste pela primeira vez à emblemática cena do chuveiro é um gag recorrente na carreira de Lewis (a direcção da orquestra invisível), em particular no referido filme. Da mesma forma que se diz que quem desdenha quer comprar, dá a sensação que não era sobre Hitchcock que Sacha Gervasi queria fazer um filme…