Laurence ou Laurence? Homem ou mulher? Melvil Poupaud para sempre. O extraordinário actor francês faz o filme [e finalmente, depos de Le temps qui reste (O Tempo que Resta, 2005) de François Ozon, volta a ter um grande papel]. Ele e Suzanne Clément, a formidável parceira quebequense. Eles e o génio precoce de Xavier Dolan, o realizador canadiano de apenas 23 anos (tão novo quanto este conto de transformação de um banal professor de Literatura em escritora de sucesso, que começa no ano em que nasceu, 1989).
Laurence Anyways (Laurence Para Sempre, 2012) não é só um épico (dura quase três horas e precisa delas todas; é o tempo certo, necessário) da metamorfose de um homem em mulher, do nascimento de um transexual, é também, e sobretudo, a história de amor entre Laurence e Fred (mulher com nome de homem, num filme em que a identidade sexual é posta em causa), um grande amor, eterno e absoluto – nunca acaba, mesmo que ela não o consiga aceitar totalmente (e aborte a sua vida com a nova mulher), mesmo que ela demore a perceber que o desejo das mulheres não morre quando muda de sexo (é sintomática a cena em que Laurence teme apresentar-se como professora porque as raparigas que ensina deixerão de cochichar na casa-de-banho como ele é bonito) -, um amor impossível, uma história triste, que acaba no passado, antes de tudo acontecer, ao som da voz de Paul Buchanan, numa versão de Let’s Go Out Tonight da sua banda Blue Nile.
De resto, a banda-sonora tem uma importância desmedida em Laurence Anyways – vários momentos-chave são tratados com telediscos dos anos 80, década pela qual Dolan parece estar apaixonado (apesar de nem ele nem o filme a conhecerem) e a que vai buscar alguns clássicos electro (Visage, Duran Duran), as cores garridas, os fatos volumosos, mesmo o enquadramento 4 por 3, uma certa excentricidade que se perdeu nos anos seguintes, que servem na perfeição a maneira como o realizador brinca ao cinema. É isso, para Dolan, o cinema é um brinquedo mágico, com que pode criar o seu mundo de ralentis, brilho, um barroco opulento que maravilha o olhar. Mas o que é desconcertante, e quanto, é como, ao mesmo tempo, consegue fazer um filme tão adulto quanto este. Como escrevi atrás, os óptimos actores que teve ao dispor ajudam-no e muito, no entanto, o estilo, aparentemente frívolo e pomposo (lá está, as aparência iludem), encerra uma justeza do olhar incomum por estes dias e eleva a obra para outro patamar. Que foge, como o diabo da cruz, do panfleto, da mensagem, do tele-filme sobre a defesa da diferença, pese embora o director de escola que, qual Passos Coelho, lhe diz que o despedimento provocado por pais irados é uma oportunidade para fazer o que sempre quis, ou os olhares dos outros, das famílias (de uma e de outra, tão importantes/estruturantes) ou a empregada daquele cafezinho ou o homem corpulento que Laurence agride.
Ou seja, é na máxima artificialidade (é delicioso o pormenor dos números de telefone começarem por 555) que Dolan descobre a absoluta honestidade da sua história e das suas personagens. Será isto o cinema queer? Lá estranho é ele. No melhor dos sentidos: desenjoa do naturalismo vigente e relembra-nos que o cinema é arte, portanto artifício. Brilhante anyways.
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O Passos Coelho também deve ter gostado, mas duvdo que ele saiba ler a mensagem. Pelo menos fala e escreve mal.
[…] [que já não é o último de Dolan, esse é o atrás mencionado Mommy] em relação ao anterior Laurence Anyways (Laurence Para Sempre, 2012), em que se assistia ao demorado processo de transformação de um […]