Eis que nos chega o último filme “de” Gus Van Sant com o “de” assim entre aspas, pois trata-se de um favor ao amigo Matt Damon que escreveu com John Krasinski o argumento sobre o impacto emocional, económico e ambiental do processo de fracturação hidráulica (fracking). Era para ser Damon a estrear-se na realização mas conflitos de calendário puseram um dos mais entusiasmantes realizadores da actualidade na delicada posição de tarefeiro com talento. Tudo isto faz com que, apesar do menção especial do júri que recebeu em Cannes o ano passado, se sucedessem os avisos para vermos este Promised Land (Terra Prometida, 2012) com um olho aberto e outro fechado.
A notória convencionalidade do argumento não é, como se sabe, nada de novo na carreira de realizador. Apesar dos monumentos que Gus Van Sant erigiu no seio do cinema contemporâneo, sobretudo com a “trilogia da morte” [Gerry (2002) – Elephant (Elefante, 2003) – Last Days (Últimos Dias, 2005)], existiu sempre uma margem convencional que ajudou a construir o seu lado mais pessoal [entre outros, Finding Forrester (Descobrir Forrester, 2000) e Good Will Hunting (O Bom Rebelde, 2007) são disso exemplos]. E nem sequer espanta que lhe seja pedida a conciliação de registos no mesmo filme, lembremo-nos do preenchimento melancólico e audacioso das imagens que implantou sob o fundo de um tradicional biopic do activista pelos direitos dos homossexuais, Harvey Milk, em Milk (2008).
O que talvez seja mais inusitado neste Promised Land é que a tentativa que Gus Van Sant faz de introduzir o nuance – numa história moralista sobre dois trabalhadores de uma grande companhia de gás natural (Matt Damon e Frances McDormand) que vão a uma comunidade rural na Pennsylvania para convencer os habitantes locais a autorizar a exploração do dito gás nas suas terras – seja tão amena. O jogo da completa falta de profundidade de campo em alguns planos, o trabalho de câmara que observa sempre em doce distância (dir-se-ia que a câmara está sempre prestes a partir para longe) os pequenos cavalos, as quintas, a humildade no rosto da população ante a opção do dinheiro e de um estilo de vida que está a morrer, nunca chegam para sair de um certo virtuosismo em serviços mínimos. É como se a frase “it’s only a job” que McDormand, a mais interessante personagem do filme, está sempre a repetir para não se deixar envolver emocionalmente, se aplicasse à relação de Sant com esta “terra prometida”.
Enquanto se discutem por essa internet fora pormenores de inverosimilhança do argumento ou teorias da conspiração sobre os interesses por detrás do petróleo ou do gás natural (o filme é co-produzido por uma companhia dos Emirados Árabes Unidos, petróleo, anyone?), Sant tenta compor um ambiente mellow que se apoia num olhar back to basics (mas Thoreau já tinha começado com isto em 1845). É a cena em que Matt Damon se apercebe que a câmara de Gus Van Sant pode partir que ele talvez até deseje ficar, quando vê que um dos habitantes locais comprou logo um carro caríssimo ao acreditar no seu discurso formatado de persuasão. Esse olhar acaba por ser corroborado numa excelente fotografia de Linus Sandgreen e pelo restante cast secundário com as presenças interessantes de Titus Welliver ou Hal Halbrook. Mas aqui não há mesmo milagres e termina tudo muito rápido no mimetismo quase ipsis verbis de Local Hero (1983) de Bill Forsyth ou na aproximação ao thriller conspirativo ambiental que Erin Brockovich (2000) de Steven Soderbergh. A mudança redentora do Damon protagonista, na recta final do filme, numa homenagem a si próprio feita pelo Damon argumentista, completam a fórmula e deixam muito pouco à realização para reinventar.
Esperemos então pelo próximo filme de, desta vez sem aspas, Gus Van Sant.