Apesar de ser relativamente novo (tem 42 anos), o irlandês Martin McDonagh já atingiu um certo nível de reconhecimento como dramaturgo. Como exemplo, a sua última peça A Behanding in Spokane de 2010 estreou em Nova Iorque e o actor principal, Christopher Walken, foi nomeado para um Tony (como curiosidade, houve já uma versão portuguesa, Perdi a Mão em Spokane, encenada por António Cordeiro). No entanto, será mais conhecido do grande público pela sua veia de argumentista-realizador, tendo tido um assinalável sucesso com a sua longa-metragem de estreia In Bruges (Em Bruges, 2008).
Por essa amostra, McDonagh revelava-se um seguidor de Quentin Tarantino, dado ao humor negro e a histórias de gangsters palavrosos – as personagens de In Bruges (assassinos com uma missão por cumprir) raramente se calavam e nos diálogos espirituosos residia o de que mais interessante o filme tinha, já que a estrutura era de tal perfeitinha (nenhuma peça ficava por encaixar) que chegava a asfixiar a obra, suprimindo-lhe o ar e a vivacidade. Escrito isto, não era nada de deitar fora e assegurava a curiosidade pelo que McDonagh poderia vir a fazer no cinema.
Os primeiros minutos de Seven Psychopaths (Sete Psicopatas, 2012) não desiludem. Lá estão dois gansgters de serviço, à espera da vítima a despachar, a tecer considerações sobre o modo de matar, no caso o “tiro no olho”, destino de Moe Green, personagem de The Godfather (O Padrinho, 1972), ou de John Dillinger, personagem da mitologia americana. A conversa flui entre estas referências mais ou menos eruditas, estilizada, sincopada, como se supõe que nenhuma conversa entre dois gangsters será. Só que, do nada, surge o primeiro desvio: um encapuzado vem de mansinho lá do fundo da imagem e dá um tiro em cada uma destas personagens que se pensava iriam ter, pelo menos, alguma importância na história. É a primeira surpresa que McDonagh reserva ao espectador e durante o resto do filme tentará sempre frustar as suas expectativas.
O protagonista, afinal, é um escritor irlandês beberolas chamado Martin (um alter ego?), interpretado pelo repetente Colin Farrell (já protagonizara In Bruges). Este, entre copos, conversas com o amigo meio demente (Sam Rockwell), e uma relação pouco saudável com a namorada, tenta escrever um argumento intitulado Seven Psychopaths em Hollywood, em que procurará subverter os códigos do género. Aqui começa a confusão entre o argumento do filme e o argumento no filme, a realidade e a ficção, as convenções e os desvios, como se isto tudo fosse obra de um Charlie Kaufman decidido a atirar-se a uma fita de criminosos. O problema é que McDonagh não é Kaufman e o que sai é uma salganhada que se por vezes é simpática (as histórias imaginadas), depressa se torna fastidiosa.
Nem o elenco de luxo – para além de Farrell e Rockwell, o já citado Christopher Walken, Tom Waits, Harry Dean Stanton, Woody Harrelson (há nomes de mulheres no genérico, mas as personagens que compõem têm uma relevância diminuta) -, que parece estar a divertir-se e se agarra ao que tem (principalmente, os mais velhos), salva o desconchavo reinante. Martin McDonagh quis tornar lasso o que antes era um espartilho e acabou com uma estrutura esquizofrénica, resultando num filme à procura de si mesmo, ao jeito de 8 1/2 (Fellini Oito e Meio, 1963) mas sem o jeito de Fellini. Ao contrário do pretendido, Seven Psychopaths demonstra à saciedade qual a razão de ser dos clichés cinematográficos: evitam estes passos em falso. Nem sequer dá para elogiar McDonagh pela ousadia. A ousadia pela ousadia não vale assim tanto.