A crónica deste mês do Filmado Tangente sai mais tarde do que a regularidade que me tenho imposto podia dar a entender. O facto que justifica tal atraso é o caso de não saber bem o que dizer sem me repetir. Desde o mês de Setembro que venho escrevendo sobre as condicionalidades do cinema nacional: os problemas de distribuição e exibição, a percepção do público sobre os filmes portugueses, os meios de produção alternativos (ao ICA), a (im)possibilidade de uma indústria ou ‘a verdade dos números’ que as bilheteiras oferecem. Portanto não sei bem o que posso acrescentar ao debate. Mas não custa tentar.
Como se tinha prometido no final do ano passado os concursos do ICA (para novas obras e apoios à distribuição e exibição) foram abertos e os filmes que haviam vencido os últimos concursos, e cujo financiamento fora interrompido, viram essa situação mais perto de uma resolução. Mas também como já se havia sabido, a regulamentação da nova lei do cinema não terminou e portanto o que se passa agora é uma mimetização da situação de há dois anos. As alterações significativas introduzidas na lei, nomeadamente a cobrança de uma taxa (à cabeça) sobre os utilizadores de televisão por cabo e a obrigação de investimento (de uma parte dos lucros) dos vários operadores (televisões, distribuidores e exibidores) em novos projectos cinematográficos nacionais, não foram ainda regulamentadas, impedindo assim que haja um aumento (em cerca de 8 milhões de euros) no orçamento do ICA (que neste concurso se situa apenas nos 10.19 milhões – o que corresponde ao financiamento de 8 produções nacionais, no mínimo).
Consultando o calendário do programa de apoio percebemos imediatamente que só no Outono é que os filmes que vençam os concursos poderão começar a receber os apoios e portanto, só no final do próximo ano é que o ritmo de produção regressará ao normal. E só se farão sentir os efeitos da alteração da lei dentro de pelo menos dois anos (supondo que os desejos da Associação do Operadores de Telecomunicações não se concretizam – tais desejos levaram já ao adiamento da referida regulamentação para o ano que vem).
Antevendo esta entropia, que todos os sistemas burocráticos têm, alguns sinais de resistência vêm surgindo nas notícias. É sobre dois deles que me proponho falar.
Além dos casos excepcionais do Estaleiro de Vila do Conde e da produção de Guimarães – Capital Europeia da Cultura (que abordei mais pormenorizadamente há algum tempo), criou-se o ano passado um fundo de apoio alternativo ao ICA denominado simplesmente de Fundo de Apoio ao Cinema e gerido em parceria com a associação Zero em Comportamento (organizadora do Indie Lisboa) e Fnac entre outros. Um dos objectivos do fundo é “privilegiar projectos de filmes que não obtiveram nenhum subsídio público de relevo, embora possam ter obtido outros apoios ou financiamentos.” E, como tal, este ano, anunciaram-se (no mesmo dia que se abriram as candidaturas ao fundo do ICA) os filmes que receberão apoios: Bibliografia, Má Raça, Terra e Revolução Industrial. Entre curtas e longas, de ficção e documental, em pre-produção ou na fase de montagem, os organizadores do fundo decidiram apoiar cada um destes projectos por sentirem que se perderia algo se, à espera dos apoios estatais, os filmes não vissem a luz do dia. Curioso será perceber que, apesar de se dar prioridade àqueles que estão agora a começar as suas carreiras, Miguel Valverde, um dos organizadores, confirmou aquilo que se poderia esperar: “recebemos candidaturas de todo o tipo de pessoas, já consagradas e apoiadas pelo ICA“.
O segundo sinal de resistência é a fundação da APCA – Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual que junta cerca de 30 produtores, entre eles António da Cunha Telles, Paulo Branco, Rui Simões, Rodrigo Areias, Pedro Borges, Luís Galvão Telles, Luís Urbano, Alexandre Oliveira, Paulo Prazeres, José Carlos Oliveira, Susana de Sousa Dias e Pandora da Cunha Telles. Com vista à defesa dos interesses do sector e à promoção dos filmes em mercados estrangeiros faz-se aqui algo que o financiamento publico nem sempre consegue realizar. Os concursos do ICA incluem o apoio à exibição de obras nacionais em festivais estrangeiros (pelo menos 30 obras) e apoio à distribuição (com um mínimo de 8). Como é óbvio, a combinação de esforços entre produtores permitirá que esta presença de filmes nacionais pelo mundo se faça de forma mais frequente e sistemática. Mas talvez, mais importante que isso, a criação desta associação vem mostrar que apesar dos egos e intrigas em que o meio cinematográfico português é rico, consegue-se – quando a corda estica – pôr de lado tais questiúnculas e defender os filmes.
Mas é óbvio que nenhum destes projectos poderá substituir o trabalho que o Instituto Português do Cinema tem obrigação de fazer. Pode complementá-lo, mas “sem financiamento não há cinema em Portugal, ou pelo menos, não há cinema capaz de continuar a ser reconhecido no estrangeiro como vem acontecendo“. Ao longo dos anos este foi sempre um dos objectivos do nosso cinema: alcançar o publico estrangeiro, porque apostar apenas no público nacional é condenar um projecto à invisibilidade.