A 10ª edição do IndieLisboa – que começa hoje à noite e vai decorrer na Culturgest, Cinema São Jorge e Cinema City Classic Alvalade, com uma perninha na Cinemateca Portuguesa, até dia 28 de Abril – é motivo de celebração, não só porque o cinéfilo vê chegada a já habitual ocasião anual em que, por onze dias, pode mergulhar em cinematografias distantes e conhecer os realizadores de amanhã, mas também porque marca a resistência daquele que é provavelmente o mais importante festival de cinema do país (pelo menos, um dos mais importantes), principalmente numa altura em que é cada vez mais difícil concretizar qualquer projecto ligado à sétima arte em Portugal. Desta maneira, e como não poderia deixar de ser, o À pala de Walsh inicia uma cobertura que se pretende abrangente (tentaremos abarcar todas as secções) e exaustiva (no que toca às competições de longas-metragens).
Somos da opinião (o uso do plural majestática não pretende vincular os outros autores do À pala de Walsh, deu-nos na veneta começar assim e assim começámos) que o IndieLisboa vale sobretudo pelo que apresenta ao público português (ou lisboeta, se quiserem). Ia escrever “pelo que apresenta de novo…”, um pleonasmo desnecessário (esta mesma expressão um pleonasmo, obviamente desnecessário), mas estaria errado: só se apresenta o que não é conhecido. Festivais como Cannes, Berlim ou Veneza, pelo menos nas competições mais importantes, costumam fazer mais por representar cinemas e cineastas consagrados do que por lançar novos nomes. O futuro fica relegado para secções menores, muitas vezes longe dos olhares do grande público e das recensões da maioria da imprensa, realizadores e cinematografias a pegar mais tarde, quando estiverem devidamente sancionados. Somente os espectadores mais atentos e a crítica mais especializada ficam alerta. Com o IndieLisboa, passa-se o contrário: o prato principal é confeccionado por realizadores maioritariamente desconhecidos, a ensaiar os primeiros passos (a Competição Internacional é composta por primeiras e segundas obras), e os títulos mais sonantes (as antestreias) são apenas aperitivos para temperar o paladar.
No entanto, mesmo que a Competição Internacional, que este ano inclui dois filmes portugueses – Lacrau (2013) de João Vladimiro e A Batalha de Tabatô (2013) de João Viana, obra presente no último Festival de Berlim -, se dê mais a revelações do que a consagrações, há um realizador que se destaca imediatamente: Antonio Campos (entrevistado no À pala de Walsh em Novembro de 2012, aquando da sua vinda ao Festival Córtex), cuja primeira longa-metragem Afterschool (Depois das Aulas, 2008) teve estreia em Portugal e a atenção particular da crítica. Simon Killer (2012) será, portanto, o filme mais chamativo desta secção. Mas também Leviathan (2012) de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel, documentário filmado em alto mar que arrasta consigo os louvores que tem recebido por onde passou. De resto, há um indie americano – Francine (2012) de Brian M. Cassidy e Melanie Shatzky com Melissa Leo -, dois franceses – Ma Belle Gosse (2011) de Shalimar Preuss e Orléans (2012) de Virgil Vernier, -, um brasileiro [depois do sucesso no ano passado de O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho] – Eles Voltam (2012) de Marcelo Lordello -, um sueco – Äta sova dö (Eat Sleep Die, 2012) de Gabriela Pichler -, um argentino – Leones (2012) de Jazmín Lopez – e, finalmente, um israelo-alemão – Youth (2013) de Tom Shoval. Quanto às obras nacionais em competição, para lá de Lacrau e A Batalha de Tabatô, assinale-se o novo filme de João Canijo, É o Amor (2013), filmado nas Caxinas (e que começou como uma encomenda do Festival de Vila do Conde). Bobô (2013) de Inês Oliveira, Campo de Flamingos sem Flamingos (2013) de André Príncipe e Um Fim do Mundo de Pedro Pinho completam os filmes a concurso.
Na secção Emergente, entram em cena títulos promissores como Gimme the Loot (2012) de Adam Leon, história filmada em Nova Iorque sobre a amizade entre dois graffiters que vão levar a sua arte até às últimas consequências. Outra aposta nossa dentro da secção, também de produção norte-americana e passada em Nova Iorque, é Exit Elena (2012), segunda longa de Nathan Silver sobre uma enfermeira que se vê envolvida na vida atribulada de uma família. Nome bem mais firmado na produção independente é o de Andrew Bujalski, o realizador de filmes célebres como Funny Ha Ha (2002) e Mutual Appreciation (2005) viaja em Computer Chess (2013) até aos anos 80 e regista as tentativas de um grupo de “geeks do xadrez” de criarem um adversário virtual imbatível. Mais um norte-americano: Joel Potrykus e o seu Ape (2012), comédia que promete tudo menos boa disposição, ou não seria esta a história de um comediante “sob influência”, zangado com o mundo. Outra produção a ter em consideração é Rocker, não só por ser um regresso [Crisan passou a sua anterior longa, Morgen (2010), no IndieLisboa em 2011], mas porque vem de um país que nos tem habituado ao melhor: Roménia. Filme pequeno, bem referenciado, La piscina (2011) do cubano Carlos Quintela é uma história de sobrevivência interpretada por actores não-profissionais com deficiências físicas ou mentais que promete permanecer na memória, nem que seja pela força da sua premissa.
João Lameira
Sei que manda a actualidade, o que é hip, o que está in, o que está na moda. Mas vou aqui armar-me em chato, elevar as sobrancelhas, pentear para a frente os meus três ou quatro cabelos brancos (epá, espera aí que se calhar já são mais…), tossir alto e, assim como se não fosse nada comigo, destruir todas as regras e critérios do jornalismo ou da jornalice nacional. Neste IndieLisboa, programação excelente que irá “levar à loucura” o cinéfilo insaciável que esteja por Lisboa nestes dias, salta-me logo à vista a sempre gloriosa secção Director’s Cut, que este ano é recebida na grande casa-mãe do cinema, a Cinemateca Portuguesa. É nela que poderemos contar com homenagens de peso a grandes nomes da Sétima Arte, de Tod Browning/Lon Chaney a Peter Kubelka. Este último merecerá uma projecção especial, numa única sessão, de toda a sua obra, um total de pouco mais de 60 minutos realizados entre 1955 e 2012, destacando-se a exótica “tempestade de relâmpagos” de apenas dois minutos chamada Adebar (1957). Este cinema serve para ser visto em sala, pelo que será impensável perder esta retrospectiva. Outra tentação irresistível será a (re)visitação do clássico de Tod Browning The Unknown (O Homem Sem Braços, 1927), onde Lon Chaney compõe uma das suas máscaras tenebrosas mais marcantes. A reposição de um filme como Les carabiniers (Os Carabineiros, 1963) de Jean-Luc Godard é outra nota de enorme interesse e relevância, desde logo, porque será mostrado sob o efeito da temperatura quente do 25 de Abril – e todos nós sabemos quão politicamente incendiário JLG conseguiu/consegue ser.
No Observatório, encontro novos motivos para sorrir – e agora já posso baixar as sobrancelhas e curar a tosse arrogante. A obra mais mediática é claramente Spring Breakers (Viagem de Finalistas, 2012), filme realizado por Harmony Korine, e protagonizado pelo mais recente “menino rebelde” de Hollywood James Franco, que tem provocado uma excitação tão contagiante quanto suspeita. Na passada edição do suplemento Actual do semanário Expresso, Francisco Ferreira escreveu que ninguém sairá indiferente deste filme, estímulo suficiente para darmos uma olhadela, mesmo que uma leve desconfiança impere, pelo menos, no espírito deste redactor com cinco ou talvez seis cabelos brancos… Indo mais ao encontro das minhas predilecções, sugiro que pegue no marcador vermelho e ponha um círculo à volta de quatro títulos: Frances Ha (2012), Shirley: Visions of Reality (2013), Sinapupunan (Thy Womb, 2012) e Before Midnight (Antes da Meia-Noite, 2013). Muito rapidamente, diria que temos aqui um Baumbach a preto-e-branco com uma interessante presença feminina – já conhecida para quem viu, por exemplo, o excelente The House of the Devil (2009) de Ti West -, mais um Gustav Deutsch a criar “quadros vivos” de Edward Hopper, mais um Mendoza preso à questão da maternidade e do corpo, retomando assim terrenos temáticos já percorridos pelo seu melhor filme, Foster Child (2007), mais… bem, aqui entra a nota de nostalgia deste meu destaque: a terceira parte da trilogia amorosa-sentimental (= sem sexo) vivida a dois e na companhia de dois, Ethan Hawke e Julie Delpy. O primeiro IndieLisboa abençoou o seu próprio nascimento com a parte II do filme de culto Before Sunrise (Antes do Amanhecer, 1995). Uma década após este gesto, Before Midnight sucede a Before Sunset (Antes do Anoitecer, 2004), revelando, desde logo, o estado presente – e definitivo? – desta já longa relação peripatética de amor.
Não acabámos de antever, ou melhor, de “anteprovar” os pratos fortes desta edição. Aliás, não podíamos terminar sem mencionar o nome de Ulrich Seidl, que provavelmente dirá pouco ao espectador nacional mas que está longe de se tratar de um newcomer. Realizou o seu primeiro filme em 1980, mas será com Hundstage (Dog Days, 2001) que atinge o primeiro momento de aclamação internacional, tendo com esse título vencido o Grande Prémio do Júri em Veneza e o Prémio Especial do Júri no Fantasporto. De há um ano para cá, invadiu festivais de cinema como Cannes, Veneza e Berlim com a sua trilogia sobre “paraísos perdidos”. Três filmes, cada um infiltrado de um modo extremamente pessoal por uma mulher (mãe, irmã e filha), que lidam com temas como o sexo, a fé e o corpo. As imagens muito poderosas dos seus filmes parecem explorar o choque entre um trabalho minucioso de composição e a dimensão aviltante e grotesca dos corpos. Será, com certeza, mais uma prova da vitalidade do cinema austríaco e mais um “austríaco polémico” seguramente susceptível de dividir opiniões.
Luís Mendonça
Consulte o calendário de exibições destes e dos restantes filmes IndieLisboa 2013 no site oficial do evento ou directamente neste link (PDF do programa).