Comparando a competição internacional desta edição do IndieLisboa com a do ano passado, assinale-se, para além da presença de duas obras portuguesas (ausentes em 2012), uma viragem da ficção (e do tema da família) para o documentário (e para a viagem ao Outro, que tantas vezes resultou no já “famoso” turismo audiovisual) ou, pelo menos, para aquela terra de ninguém que não é bem uma coisa nem outra, nem exactamente uma mistura das duas.
Aliás, foi a esse território que os programadores foram buscar as propostas mais arriscadas (bem mais arriscadas do que qualquer coisa que tenha passado em competição no ano passado), justamente aquelas premiadas pelo júri – Leviathan (2012) de Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel (e melhor longa-metragem internacional) e Lacrau (2013) de João Vladimiro (a melhor longa-metragem portuguesa). Propostas arriscadas, pois pedem (exigem?) uma adesão total do público ao seu universo abstracto, mais rítmico do que documental, mais fantasioso do que factual (por exemplo, Leviathan lembra muito o género do terror, com imagens saídas de um pesadelo sangrento), adesão essa que quando não ocorre provoca a desistência do espectador – na sessão de Lacrau a que assisti parte do público abandonou a sala.
Apesar de tudo, pode escrever-se que foram escolhas fáceis (para o júri e para nós aqui no À pala de Walsh): tanto Leviathan como Lacrau não tinham competição à altura nas suas respectivas categorias. Embora a competição internacional tenha tido uma qualidade média razoável – à excepção de Youth (2013) de Tom Shoval e A Batalha de Tabatô (2013) de João Viana, uma tentativa muito tacteante de construir um thriller familiar e uma aproximação titubeante, via realismo mágico à Mia Couto, ao universo de Jean-Marie Straub, os filmes mais fracos em competição, mostras de um certo amadorismo -, houve menos filmes fortes do que em 2012 – que tinha, no mínimo, três muito bons: o extraordinário Toata lumea din familia noastra (Everybody in Our Family, 2012) de Radu Jude, De jueves a domingo (2012) de Dominga Sotomayor e O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho. Ainda assim, destacaram-se Ma Belle Gosse (2011) de Shalimar Preuss, um bonito filme de Verão, e Simon Killer (2012), uma nova deslocação à atormentada psique de Antonio Campos. Já Leones (2012) de Jazmín López desiludiu, demasiado preso à sua premissa (“roubada” ao Terror espanhol e à série Lost) para seguir livremente o seu curso (e demasiado colado às suas referências: Gus Van Sant, Michelangelo Antonioni). Quanto aos portugueses, palavra para o confrangedor Campo de Flamingos sem Flamingos (2013) de André Príncipe, que quando mais não seja serviu para explicitar os escolhos que Lacrau evitou, para o tépido É o Amor (2013), com João Canijo à deriva sem a tragédia grega e as grandes personagens (e a falhar o olhar para a grande actriz que é Anabela Moreira), e, finalmente, para o simpático Um Fim do Mundo (2012) de Pedro Pinho, que, no meio disto tudo, passou injustamente despercebido.
Fora da competição, haveria muito a destacar – como exemplos, o elegante Musem Hours (2012) de Jem Cohen, a interessantíssima experiência de Public Hearing (2012) de James N. Kienitz Wilkins, o esfuziante Frances Ha (2012) de Noah Baumbach que, em jeito de post-scriptum (no último dia do festival, já depois da cerimónia de encerramento e dos prémios), revelou que terá faltado um pouco à 10ª edição do IndieLisboa a leveza, a liberdade e espirituosidade da melhor ficção independente [patente também em Gimme the Loot (2012) de Adam Leon]. No entanto, um cineasta sobrepôs-se aos demais: Ulrich Seidl, alvo de um merecido Foco do Indie, o melhor que se pôde arranjar em alternativa à secção Herói Independente, desaparecida nos últimos anos por motivos financeiros – e, neste caso, foi mesmo o melhor que se pôde encontrar em todo o festival. Perante a monumental trilogia Paradies (Liebe, Glaube e Hoffnung), controlada até ao ínfimo pormenor, maliciosa, divertida, cruel, repugnante, brilhante, a única resposta é a rendição total (mentira, também pode ser a rejeição total). Não houve mais nada assim, não há mais nada assim no cinema actual (pese embora as comparações, injustas para Seidl, com outros realizadores austríacos)
Encerro este texto com a compilação de todos os textos da cobertura À pala de Walsh do IndieLisboa 2013 (levado a cabo pelo Luís Mendonça – que cobriu o festival paralelamente no seu blog CINEdrio -, pelo Ricardo Vieira Lisboa e por mim) – a antevisão, os primeiros dias, os dias do meio parte I e parte II e os últimos dias – e uma menção especial à primeira parte da entrevista do Luís, presciente, a Lucien Castaing-Taylor, co-realizador do vencedor Leviathan.