No início de Catembe (1964) ainda estamos em Lisboa e é o próprio Faria de Almeida que passeia pelas ruas junto ao Rossio perguntando às pessoas que passam o que pensam elas de Lourenço Marques (hoje em dia Maputo). As respostas variam, para uns é uma selva com bichos por todo o lado, para outros é um uma Côte d’Azur africana, uma Nice equatorial. Alguns já lá tinham ido e lembram a cidade com nostalgia recordando o seu desenvolvimento mas a maioria só a conhece da imprensa e pouco sabe sobre o lugar. Corte. Plano aéreo de Lourenço Marques e uma música que nos pede para balançar com ela, uma voz começa-nos a descrever a cidade, o número de habitantes, os número de carros, o número de igrejas o número de hospitais, números e mais números, tudo visto lá dos altos como se os números e o postal aéreo chegassem para conhecer a cidade. A voz do narrador avisa-nos então: já estamos fartos do postal turístico, estamos aqui para conhecer Lourenço Marques, as suas gentes e os seus modos. Talvez tenha sido esta vontade de mostrar uma terra com gente lá dentro que tenha assustado tanto o regime e a censura. Catembe é o filme português que mais cortes da censura sofreu, com mais de 80 minutos na sua versão original, restam dele apenas 45 e serão esses três quartos de hora mais outro quarto de cortes que Faria de Almeida conseguiu salvar que vamos poder assistir na sessão Censura e Colonialismo dia 7 de Maio às 22h na Cinemateca Portuguesa.
Num artigo recente de Mário Lopes a propósito da exibição do filme (contam-se pelos dedos de uma mão as exibições depois da revolução do filme – está será a sexta), António da Cunha Teles – produtor do filme – adjectivava o filme como cândido. Pois bem, nem mais. Há qualquer coisa de brincadeira de criança no filme, uma juventude no olhar que é tocante. Faria de Almeida retrata a vida em Lourenço Marques em cada um dos dias da semana, começando pelo domingo que é o dia do descanso, da praia e do rock’n roll. A cada dia fala-se de uma coisa diferente, à segunda trabalha-se mas na quinta é o dia dos intelectuais e na terça o dia das bifas – as turistas inglesas que se passeiam pelas praias em busca de um romance veraneante – e dos homens desejosos de bifana. Cada dia é motivo para Faria de Almeida descobrir novas soluções visuais – desde sketchs mudos interpretador pelos habitantes a entrevistas em split-screen ou cenas em freeze frame (à lá Marker, que Faria de Almeida tinha descoberto quando estudou em Londres). Há um divertimento genuíno em dar a ver uma sociedade que era muito diferente daquilo que a propaganda queria dar a entender.
Ver o que resta do filme (note-se que a versão actual foi uma remontagem dos materiais autorizados) e seguir isso com as cenas cortadas é um exercício interessante: porque raio terão sido cortados aqueles pedaços? Uns somos capazes de perceber; segundo as próprias autoridades de então alguns testemunhos referiam-se à metrópole como Portugal dando a entender que as colónias não eram Portugal – o que contrariava a noção de unidade que o regime impunha -; outros cortes revolvem em torno do retrato da Catembe, a zona suburbana da cidade de Lourenço Marques – a outra margem -, onde vivam as pessoas mais pobres e em condições deploráveis e local a partir de onde Faria de Almeida quis construir uma ficção – aqui nasceu uma menina chamada Catembe é uma frase que se ouve por entre as cenas cortadas – entre uma menina branca pobre um pescador preto. Ultraje dos ultrajes, não só dar a ideia de que havia fome e miséria no território português como, pior que isso, dizer que podia haver amor entre-raças. Mas dos 15 minutos de cortes a porção mais substancial corresponde à vida nocturna da cidade onde pares de dançantes pretos e brancos e mistos se agarram ao som de jazz quente, balançando e divertindo-se. Mais que tudo sendo felizes – I can’t live with out you. Isso nem pensar, num país de fado não se pode ser feliz. Ultraje. Corta.
A sessão inclui também a curta-metragem de António Escudeiro, Angola Terra do Passado e do Futuro (1972), título nos moldes da propaganda onde se apresenta uma sociedade rica e industrializada cheia de elefantes, cascatas, peixe, madeira, vacas, petróleo e diamantes – Angola avança para o mundo com a força ancestral das suas raízes.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Excerto do poema Tabacaria de Álvaro de Campos – Fernando Pessoa
Junto ao cais das colunas uma jovem morena banha-se do sol da tarde de Lisboa, caminha pelas ruas luminosas de Lisboa ao som de jazz, chega à loja de chocolates Regina na baixa e entra, lá dentro temos uma réplica do famoso quadro de Almada Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, e começamos a ouvir a voz de João Perry que lê perversamente as palavras, já por si perversas, de Álvaro de Campos – come chocolates, pequena, como chocolates. Fonseca e Costa faz em Metafísica dos Chocolates (1967) uma ode à sensualidade e à juventude. Várias mulheres jovens vestidas de cores vivas comem chocolates em varandins ou em plena rua e são também mulheres jovens que os fabricam, de avental, embrulhando cada bombom ou passando a pasta doce e fumegante de uns recipientes no outros, ou moldando o fálico tubo de açúcar oscilante que dará origem a doces rebuçados. O chocolate é sensualidade, mas é também alegria e vida para as crianças que o comem deliciadas. Durante os primeiros anos da sua carreira (assim como da carreira de todos os outros realizadores do cinema novo) Fonseca e Costa realizou várias curtas documentais patrocinadas pelo diversos conglomerados industriais ou pelas agências de turismo do estado novo. A sessão Máquinas Desejantes inclui uma série dessas curtas (de Fernando Lopes, Aberto Seixas Santos, Faria de Almeida e Fernando Matos Silva e esta de Fonseca e Costa) é exibida dia 6 de Maio pelas 22h na Cinemateca Portuguesa.
Os dois títulos de Fernando Lopes presentes são Tejo Rota do Progresso (1967) e As palavras e os Fios (1962). Nas palavras do próprio, os filmes publicitários do seu início de carreira permitiram-lhe desenvolver uma capacidade de síntese e uma acuidade na montagem que o marcaram muito nas ficções subsequentes. Em ambos os filmes é o Jazz, o do Hot Club Portugal e de Manuel Jorge Veloso – que comporia dois anos depois de As Palavras e os Fios a banda sonora de Belarmino (1964), sessão de abertura do Panorama que contará com a actuação do Trio do Hot Club -, que acompanha os progressos tecnológicos da indústria do fio ou da engenharia do estaleiro das Lisnave em Almada. Fernando Lopes está de facto apaixonado pela velocidade da técnica, pelo desenvolvimento das máquinas e da complexidades dos métodos, testes e produtos. Como uma criança numa loja de doces, Fernando Lopes passeia-se pelas máquinas que enrolam os cabos e fazem os fios e vê naquilo uma nova religião – o progresso tem palavras estranhas, mas tem letras e cores que todos nós conhecemos. Em Tejo Rota do Progresso a câmara de Fernando Lopes é esmagada pela dimensão do projecto, são panorâmicas para todos os lados e para cima e para baixa, para tentar captar a grandeza do empreendimento, a maior doca seca do mundo ocidental. Mas por outro lado há o prazer do descanso, de filmar as pausas dos trabalhadores, de ouvir um assobio descontraído e de deixar as roupas sujas do dia de trabalho e picar o ponto no final da jorna, contente pelo trabalho feito.
De forma diferente Seixas Santos filma a Arte e Ofício de Ourives (1968) sempre no fundo das oficinas, sempre sujas e sempre atarefadas, como que dizendo que apesar de se trabalhar com a delicada prata ou com a fina filigrana, para que o resultado seja uma bela salva numa montra, há que suar e obrar horas e horas. O mais burguês dos produtos tem uma origem proletária que ao som de Bach se torna ainda mais dramática e grandiosa. Da mesma forma Faria de Almeida engrandece o operário em A Embalagem de Vidro (1966) através de uma panóplia de soluções muito suas, como a sobreposição da máquina e do homem, a alternância entre a banda sonora e o som das fornalhas, a montagem em crescente sobressalto. E por fim temos Fernando Matos Silva que ao contrário de Fernando Lopes filma a indústria do foi [Por um fio (1968)] deliciado pelo poder das telecomunicações e da forma como o mundo está mais pequeno à custa do fio – fio é energia – vendo em cada volta das máquinas um efeito especial de ficção científica.
Não deixa de ser curioso que a sessão que o Panorama dedica às obras por encomenda, mais ou menos documentais, com que alguns dos nomes importantes do cinema novo português começaram as carreiras, girem muito fielmente em torno de um ideal de praia, turismo ou valor do mar. As únicas excepções desta sessão, sugestivamente intitulada “Experimentar, Mise-Encenar” que pode ser vista dia 8 de Maio na Cinemateca Portuguesa pelas 18:00, são os filmes Vermelho, Amarelo e Verde de Fernando Lopes, sobre a importância dos sinais de trânsito e dos semáforos, e a visão lírica de A Passagem de Manuel Costa e Silva sobre os comboios. Mas fiquemos-nos então pelas excepções antes da regra.
Quem vir esta encomenda de Fernando Lopes feita em 66, um ano antes de Tejo Rota de Progresso e produzido pela Prevenção Rodoviária Portuguesa, percebe as palavras do realizador quando, concretizando o valor formador que tiveram os documentários iniciais na construção de uma estética pessoal, fala de aprender a dar “atenção às imagens e aos sons”. A montagem deste singelo filme, que faz lembrar um pouco o didactismo inocente dos inícios de Kiarostami (e os filmes que fez para o Kanun – Instituto do Desenvolvimento Intelectual das Crianças e Jovens Adultos no Irão), tem precisamente a necessidade de coordenar o movimento da deambulação pela cidade de Lisboa com a cor de cada semáforo (que sugere cautela ou avanço por exemplo), com as sonoridades jazz que já vêm de trás (e que aqui têm o condão de impor uma viagem cool, urbana, nouvelle vague que como sabemos será o seu) e ainda com as palavras de Alexandre O’Neill que transformam a cidade em “textos de leitura pronta” com os sinais amarelo como vírgulas, a esperança do avanço no verde, ou o “olho vermelho que diz pára”. E forte é a ideia de ver como os sinais de trânsito são indicadores visuais mas também sonoros para ler a cidade. E nada melhor do que o cinema para mostrar isso e o som para evocar o fora de campo.
A outra excepção à “ditadura do sol lusitano” é a breve ficção de Manuel Costa e Silva que faz essa transição onírica – vagamente Jean Vigo – deambulatória – vagamente Rossellini – entre um comboio de brincar e um comboio real na mente de uma criança. Planos oblíquos, ideia de Sérgio Niza (produção do Imave – Instituto de Meios Audiovisuais da Educação), montagem de António Pedro Vasconcelos, A Passagem marca um desejo de evasão mas sobretudo de transição do real ao imaginário, da literalidade ao símbolo (“há nos símbolos que nos prendem o apelo do real, a passagem que juntos partilhamos”, pode ler-se no início). Nessa “passagem” Costa e Silva filma o crescimento como deambulação observadora de uma criança que começa a ver o mundo nas suas complexidades (o absurdo planos das galinhas, o tocador de acordeão, os habitantes do comboio real) e que quer brincar com ele. Esse é, claro, também, o pretexto de exploração da câmara (do zoom em particular), do enquadramento e da criação de ambiente que marcavam o crescimento enquanto cineasta de Costa e Silva.
A ponte entre esse lirismo puro e o Verão, ou melhor, o calor, é feita pela primeira obra profissional de António de Macedo, O Verão Coincidente (1962), filme produzido pela Sociedade Central de Cervejas e com o produtor Francisco de Castro. A ideia é a adaptação visual de um poema de Maria Teresa Horta, com declamação de Carmen Dolores. A estrutura em manhã, tarde, noite, sugere uma progressão, também na montagem de um cinema novo, mas “alternativo ao novo”, contra a “escola do bocejo” que procura romper, experimentando ( à beira do cinema experimental, escreveu dele, Luís de Pina) quer com efeitos sonoros (o som das metralhadores sob os planos do jet sky) quer com as cores (as imagens vermelhas das ceifeiras mecânicas), o movimento (os planos mecânicos e repetitivos da dança no efeito nocturno do calor). Verão de beijos, de peixes no aquários, de suicídios sem cadáver, a montagem rítmica, a câmara sempre nos “locais errados” mostra como as experiências iniciais de Macedo são o prolongamento natural prático da sua teoria (“A Evolução Estética do Cinema”) secundarizando sempre a dimensão utilitária (a cerveja ligada ao calor, à diversão, à noite) a que estava “obrigado”. Belo filme, belo começo, que só aparentemente parece contradizer no seu experimentalismo o privilégio que viria a dar no seu cinema ao “quê”, em detrimento do “como”.
Oposição aparente estão os dois títulos que faltam nesta sessão. De um lado, um filme de um falso optimismo, Portugal no seu “melhor”, lugar exótico a mostrar a sua “warmth”, a sua hospitalidade, ao guest turista convidado a vir cá e ver – Portugal, 850 km de Praias (1973) de António Escudeiro. Do outro, o primeiro filme de Fonseca e Costa, …E Era o Mar (1966), num tom aparentemente desolador sobre Sesimbra (uma encomenda do Hotel do Mar construído pelo arquitecto Conceição Silva) e onde as pessoas são vistas de longe e quase imóveis. A ausência de palavras, a constância da música, dando espaço aos lugares e às formas (quer da vila de Sesimbra, as suas estátuas, a baía com os seus barcos; não é fácil de esquecer a panorâmica final com um deles destruído, em contre-plongée) para falarem por si, mostram a componente artística do filme de Fonseca e Costa (o gerente o Hotel não achou muita graça à brincadeira, o arquitecto pelo contrário gostou muito filme), mas sobretudo uma necessidade de procurar uma comunhão intimista com aquele espaço. Uma necessidade de interpelação que acaba por revelar o sugestivo do “era” e das reticências do título, um sentimento qualquer de perda, de abandono, de lugares vazios, senhores a olhar simplesmente, ou aquele raccord entre o plano oblíquo da discoteca ao som de “The more I see you”, com o olho de um polvo morto num barril. Tudo parece em vias de esmorecimento em … E era o Mar Por sua vez, é um exercício muito preso às suas amarras institucionais aquele com que António Escudeiro tenta recuperar a beleza e paz naturais do litoral português. Seja pela pomposa voz off em inglês, seja pelos slow motions das práticas aquáticas, do casal a passear na praia, o cavalo a simbolizar a liberdade, Portugal, 850 km de Praias é hoje pouco mais do que um objecto de curiosidade a ser estudado pelas agências de viagens.
Outra sessão interessante que a Mostra apresenta nesse mesmo dia, também na Cinemateca, um pouco mais tarde pelas 22:00, intitula-se “Novo Olhar sobre os Lugares” e exibe obras iniciais de Paulo Rocha, António Reis e Manuel Costa e Silva. Se a ideia de programação é a de mostrar a importância da exploração do espaço (de um espaço) para o “programa” livre no cinema novo, um filme como Sever do Vouga – Uma Experiência (1971) acaba por funcionar precisamente como um espaço de encontro de muitos nomes desta visão cinematográfica. Senão vejamos: além da realização e montagem de Paulo Rocha, Manuel Oliveira é supervisor, o argumento é do Fernando Lopes, a fotografia de Acácio de Almeida e de Augusto Cabrita (este último assina, como se sabe, a fotografia de Belarmino). Isto além da produção de António Cunha Telles, da locução do Alexandre O’Neill e da música do António Lopes Graça. Esta experiência do título, patrocinada pela Shell portuguesa, acaba por partir para Sever do Vouga com uma certa esperança modernista para a crise agrícola: as referências às máquinas, ao papel do engenheiro agrónomo, a cooperação entre agricultores, a revisão das margens de lucro nas explorações agrícolas de tipo industrial (mas também os CTT, o snooker, a televisão, os telefones) tudo aponta uma nova direcção que vem melhorar um modo de vida muito custoso, um retrato social e quotidiano de pobreza. Mas o curioso é que não só a inocência do olhar dos seus habitantes (e seus depoimentos) parecem hoje trair essa solução do rural ao industrial, como o genuíno interesse de Rocha por Sever do Vouga e pelas suas rotinas (aquele plano inicial das searas ou a presença da câmara nas vindimas) mostra como o espaço do cinema novo era um “espaço” de abertura à natureza. Por isso este é também um filme que “vem” do cinema de António Campos e “vai para” o cinema de Reis (Trás-os-Montes).
Mas este Reis que a sessão apresenta é de 13 anos antes, seu primeiro filme, Painéis do Porto, co-realizado por César da Guerra Leal e encomendado pela Câmara Municipal. Aqui a maior preocupação é fazer justeza a uma cidade mas sempre procurando cultivar um olhar poético que procura na gente, nos barcos, nos claustros, os detalhes da pintura, o épico da música, o lirismo da locução poética do Pessoa, as estátuas que existem nas peixeiras. Esse olhar poético parece procurar o emergir das coisas como numa sinfonia urbana em gestos lentos e íntegros. A busca dos gestos diários que compõe qualquer coisa de transversal à região do Porto e nesse “excesso bom” do irromper de um cineasta no contacto com um lugar (o seu lugar) ainda o melhor: que os painéis surjam no fim do filme como “surpresa narrativa” (se assim se pode dizer) e que fazem eco em tudo o que vimos (desde os manequins ao senhor que arranja os carris do eléctrico) como sinais gráficos, imóveis de um dinamismo urbano – de uma cidade. Finalmente, o filme de Costa e Silva, Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada, com poema de Reis, precisamente e montagem de Fernando Lopes. Aqui o “cinema novo” (se assim de pode tão taxativamente pôr) não tem o apelo da mensagem como em Sever, nem da poesia como nos Painéis. Nem sequer o apelo etnográfico da lição de Jean Rouch (lembramos que Costa e Silva trabalhou com ele). Aqui há esta espécie de noção de encontro, de comunhão entre a povoação de Grijó (protagonista colectivo do filme) e equipa de rodagem. O impulso inicial é a curiosidade pela figura do “careto”, máscara com origens milenares que simboliza a passagem das estações mas também a encarnação do demónio. Se essa máscara está no centro das festas populares de Grijó, o encontro alarga-se – até pela poesia de Reis: alguidares de sangue onde a geada caía e derretia”/ “há pão a ganhar aqui e no filme” – para perceber e viver o ciclo pão-trabalho-trabalho-pão, dos 365 dias da população de Grijó, no qual a festa são os 3 dias que lhe são subtraídos (“trabalho sem festa não é digna dos homens”). A certa altura na voz off escutamos que fixar uma imagem é acto de “profanação e respeito”. É sobretudo esta noção de respeito que nos fica ao testemunharmos este encontro entre duas gentes: como uma luta de caretos. De um lado o peso do trabalho na terra, do outro o peso da câmara. Diferentes esforços, o mesmo pão. Belíssimo filme.
Não esquecer que o dia dedicado ao documentarismo no cinema novo começa cedo, pelas 18:00, com um debate na Sala Luís de Pina, dedicado precisamente a esse tema.
Carlos Natálio e Ricardo Vieira Lisboa