Como argumentista,Carlos Saboga é um nome incontornável para o cinema português. Escreveu para Fernando Lopes, Luís Galvão Teles mas foi com António-Pedro Vasconcelos que mais colaborações teve – desde O Lugar do Morto (1984) até Jaime (1999) – todos os filmes do realizador tiveram a pena de Saboga. Mais recentemente destacam-se as adaptações de O Milagres Segundo Salomé de José Rodrigues Migueis e a excelente actualização de Amor de Perdição, ambos para Mário Barroso, ou a adaptação também de Camilo para Raoul Ruiz e ‘sequela’ de Valeria Sarmiento. Photo (2012) é pois a sua estreia na realização, estreia aos 76 anos.
Consciente do risco que há na transição da escrita para a realização, sentimos logo desde o início, que Saboga está constantemente a fugir ao beco do filme de argumentista. E consegue-o. No entanto, é também verdade que é no argumento que está o doce do filme. A história já a conhecemos, uma mãe morre e uma filha (Anna Mouglalis) encontra nos seus pertences informações que indicam uma origem familiar diferente daquela que ela supunha ser verdadeira. Com isto entrega-se a uma investigação que a conduz a Portugal (o filme tem início em Paris) onde tentará falar com os amigos de juventude da progenitora e assim tecer a teia que liga todas as deixas e todas as pontas, num elegante novelo.
Então, se dizia que o doce estava no argumento e a sinopse não revela nada de novo ou atraente , então a que me refiro – pergunta o leitor. Pois bem, por algum motivo o filme se chama Photo. A mãe, que morre na primeira cena do filme – vemos o Sena e ouvimos o respirar pesado de um enfermo – é uma fotógrafa e os pertences que deixa à filha são fotografias. Muitas fotografias. É daí que parte todo o filme – e também da fotografia do filme (assinada pelo grande Mário Barroso). Mas o que notamos logo desde início, e que se vai adensando com o decorrer da película, é a relação entre a fotografia e a morte.
Antes de morrer, a senhora tinha informado a sua empregada (Marisa Paredes) que queimasse tudo, as fotografias, os negativos, tudo. O trabalho de uma vida extinto em poucos segundos. A servente não obedece. Mas porque quereria a fotógrafa destruir todo o seu trabalho? Esse é o primeiro mistério que se nos põe. Encontrando as fotografias, a filha descobre que a mãe esteve envolvida com uma tentativa de ‘ataque terrorista’ no pré-25 de Abril tendo estado presa com outros insurgentes com os quais estava envolvida amorosamente e dos quais surgiu a filha que agora conhecemos já mulher. Buscando esse(s) homem(ns) a quem a paternidade pertence ela vai encontrando apenas mortos ou dementes. Todos aqueles que mãe fotografou estão mortos: num acidente de avião, numa zaragata ou num interrogatório da pide (talvez o melhor do filme seja mesmo o inspector Fontana de Rui Morrison, que faz de um salazarista mal adaptado aos tempos de agora). Seria por isso que a senhora desejava que se queimasse o seu espólio, numa tentativa de apagar esse mortandade que o seu trabalha havia provocado, ou num desejo de evitar mais morte? Parece-me que sim, é por isso mesmo que a filha não possui nenhuma fotografia sua tirada pela mãe – não queria para a filha o destino a que tinha condenado os outros. Note-se o raccord maravilhoso que dobra o filme ao meio, entre o decapitar das codernizes ao jantar, logo no início, e os pombos mortos, já no final, reafirmando esta sensação de que tudo no filme revolve em torno da morte.
Tudo isto me surge (e me é sugerido) de forma nunca impositiva. Saboga não parece estar a querer investir numa interpretação única sobre o seu texto e por isso mesmo o resultado é singularmente leve e despretensioso.
O problema do filme está por sua vez numa incapacidade de juntar referências e condicionantes de produção. Mais de quarenta anos depois dos eventos que o filme ficciona não se consegue pôr os nomes nos bois e chama-se, sempre por meias palavras, figuras políticas de então sem nunca querer que daí venha qualquer incómodo – penso no ‘acidente’ de aviação que mata um ministro (numa queda nunca explicada) que é obviamente uma referência ao atentado que vitimou Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa. Quanto às condicionantes de produção nota-se que o périplo da menina por terras lusas é motivado não por uma necessidade do enredo mas sim por imposição do financiamento do filme – em parte feito pelo ICA – que impõe a utilização de uma parte significativa de técnicos e actores nacionais (e rodagem em Portugal). Mas como diz uma personagem a certa altura, ela está muito mais interessada em arranjar uma desculpa para fugir ao noivo – que só ouvimos em off – e muito menos interessada na história do nosso país e na sua origem familiar. Parece, portanto, uma viagem turística ao passado recente português para francês ver, com cicerone tradutor (Simão Cayatte traduz simultaneamente em francês algumas cenas) e sempre no limite do pedagógico.