Estranha sensação, essa de reencontrarmos pessoas que amámos anos mais tarde, depois do vazio que vem do desencontro e da separação no tempo. Numa entrevista, por altura de L’amour à vingt ans (1962), um jornalista pergunta a Jean-Pierre Léaud se este se acha parecido com François Truffaut, o seu tutor na vida e no cinema, por reencarnar, no ecrã, aquela que teria sido a vida do realizador. “Somos parecidos com as pessoas que amamos”, respondeu.
Before Midnight (Antes da Meia-Noite, 2013) não é um grande filme, é uma continuação possível, na ficção, daquele que foi um encontro com pessoas que amamos. E amamos o seu encontro original porque era aquele que se mostrava puro, único no tempo e irrepetível. Tanto que os nossos reencontros com o par se vão aproximando cada vez mais de uma amostra de “vida real”, algo que deixa sempre a desejar para quem vê ou até para quem o reproduz.
Uma amostra – tudo aquilo que virá depois desse primeiro encontro parece resumir-se um pouco a isso. Kiarostami fê-lo, de forma brilhante, em Copie Conforme (Cópia Certificada, 2010), ele que busca incessantemente uma forma original de ver as coisas e o que está entre elas – com a consciência de que aquilo que reproduzimos como efeito, tanto nas relações como nos simples afectos, terá sempre uma impressão de cópia, de pequena fabricação, algo que assenta como uma luva na ilusão que o cinema carrega dentro do seu movimento. Olhamos todos para imagens falsas para nos comovermos com coisas verdadeiras.
Será que, depois desse encontro inicial, nos contentamos com reproduções daquilo que éramos? Parece ser essa a discussão final, antes da meia-noite, no filme de Linklater. “Onde está a pessoa que conheci?”, pergunta uma delas. Como quem olha para quem se apaixonou e já não reconhece as imagens da fantasia e do enamoramento às quais entregou o seu abraço. Ou então, no final de Copie Conforme – obra que, por sua vez, gira e faz a sua ficção unicamente através dessa impossibilidade de amar tal como no primeiro dia -, quando a outra pessoa nos pede para repetirmos os gestos com que criámos o nosso amor, mas já numa pose, invariavelmente, de actriz, de jogo. O que nos toca em Kiarostami é que ele nos mostra que faremos sempre parte dele.
O pobre Gatsby de Fitzgerald (agora reposto na muito esquecível versão de Luhrmann) morreu por querer reproduzir esse passado na sua forma original, ele que recusou esse movimento que o amor gera e que, tal como os filmes [dizia Truffaut em La nuit américaine (A Noite Americana, 1973)], acelera no fundo da noite, como um comboio, a caminho do desconhecido. Of course you can’t repeat the past. Infelizmente para nós, todos o adoramos, e por isso nos deixamos levar sempre nele dentro da nossa imaginação. Tal como o dono do movimento de La ronde (A Ronda, 1950) e do seu carrossel de paixões que circulam de quarto em quarto, de mesa em mesa, de cama em cama, ao encontro daquelas que se amam e se desamam, perante os olhos deliciados dos espectadores na sala de cinema. Pobres personagens que se entregam a essas paixões por não ter outra saída, nem existir outra solução, para uma paixão desfeita do que o abraço a uma outra que, num possível futuro, se ficará por essa repetição do original.
Regressemos a Léaud – o amor torna-nos parecidos com as pessoas de quem gostamos. O amor possível será então aquele em que aceitamos que o outro nos mude um pouco, em que também tomamos os gestos dele e fazemo-los nossos. Uma reconquista, então, que fica a saber a produto original. E a sua destruição virá quando soubemos que abdicámos de quem somos para sermos totalmente outra pessoa. A cópia certificada será, então, um equilíbrio – entre quem nós somos e aquilo que o encontro com outra pessoa nos deu. Jogando nesse jogo até ao fim de um movimento e de uma viagem através da noite. Tal como no movimento de um filme ao qual nos entregamos, na sala – que seja infinito enquanto dure.