Nos últimos tempos tenho andado a ler alguns títulos do senhor Gore Vidal [sim, aquele que aparece no Roma (1972)] e com apenas um par de títulos em carteira cedo se percebe o gosto do escritor pelas figuras de poder, não necessariamente aquelas do topo da cadeia mas especialmente aquelas que rondam sabujamente os governantes, acabando por governar também. Vidal adora as tricas políticas, as investidas e regressos, os espiões (tanto da Roma Antiga como do mccarthismo), os sussurros, os funcionários/secretárias/eunucos que mastigam lentamente o pouco poder que têm para lhe poderem tirar o máximo sabor.
No livro Washington D.C. o escritor visita as grandes figuras da política americana entre os anos 30 e 50 através de pequenas figuras, imaginadas, que tentam sempre deixar a sua marca mas cuja marca se manifestará simplesmente como uma nota de rodapé. De qualquer forma, conhecemos no livro FDR, muito brevemente ou pelas palavras de outros (por norma, mexeriqueiros – sabias que ele anda envolvido com a herdeira do trono da Noruega – ou opositores políticos), e uma dessas ‘visitas’ em pessoa que Vidal nos descreve é o encontro entre o presidente americano e o rei de Inglaterra, George VI. Esse é o motivo que também atraiu o argumentista Richard Nelson e o realizador Roger Michell para fazerem o filme que agora se estreia na nossas salas, Hyde Park on Hudson (Hyde Park em Hudson, 2012).
Como seria de esperar, o interesse dos dois últimos não é o mesmo do primeiro. Para Nelson/Michell interessa mais a gaguês do rei [sim, é o Bertie do oscarizado The King’s Speech (O Discurso do Rei, 2010)] e a poliomielite do presidente Roosevelt do que o New Deal, os movimentos comunistas pré-McCarthy ou a entrada nas Nações Unidas dos EUA. Ou seja, o que nos oferecem é aquilo que se vem tornando cada vez mais recorrente: A vida privada de…, onde no lugar das reticências se deve acrescentar o nome de uma figura pública conhecida, do mundo da política ou das artes; descrevendo um episódio das suas vidas de onde supostamente se pode extrapolar uma personalidade completa, quase sempre narrado por uma figura que ficou obscurecida pela sombra do ‘famoso’. Tivemos o recente Hitchcock (2012), que entrava pelas desavenças de quarto do realizador e da sua companheira, o já referido The King’s Speech, My Week with Marylin (A Minha Semana Com Marilyn, 2011), onde me parece que o título é suficientemente esclarecedor, ou Me and Orson Welles (2008), do meu querido Linklater [ou ainda o subproduto televisivo A Vida Privada de Salazar (2010)].
Independentemente da qualidade dos filmes, o que sentimos é que são todos resultado daqueles manuais de como escrever um argumento para um filme. A estrutura é sempre a mesma e o interesse do filme está ligado necessariamente ao trabalho do actor principal que carrega, quase sempre, o filme à costas. Hyde Park, apesar de tudo isto, consegue ser mais do que um veículo para Bill Murray (que miraculosamente consegue fugir – mas nem sempre, aquela cigarrilha… – aos amontoados de tiques em que estas personagens por norma se transformam) e mais do que um drama de p(r)adaria sem sal. Há um humor muito delicado que perpassa todo o filme (e só desaparece quando a choradeira toma lugar), cuja origem deve ser a mão delicada de Michell que, para quem não se lembra, é o realizador de Nothing Hill (1999) – de novo a questão da monarquia popular – ou de Venus (Vénus, 2006) – o confronto com o decaimento físico.
Mas talvez pouco importe de que forma se retratam as figuras históricas porque, como diz a certa altura uma personagem em Washington D.C., “Não me venha dizer que lhe interessa a opinião que o futuro terá de si porque um dia a raça humana vai acabar, no momento que tiver que ser, e quando isso acontecer não interessará um chavo quem foi símio e quem foi macaco nesta jaula nojenta“.