Já vem sendo altura de sair do modo violino e trazer a brutalidade para estas linhas sobre um filme que termina com bambies de porcelana a serem partidos (é a quebra do brinquedo, símbolo da adolescência, a revolta como manifestação exterior de um trauma do crescimento em tempos de guerra), ao que se segue o som meloso, “larger than life”, do compositor Max Richter.
Não nos levem a mal, Cate Shortland, realizadora australiana, dirigiu um filme com bom fundo (quiçá demasiado), com base no romance The Dark Room de Rachel Seiffert. Lore é coming of age puro, mais diagramático era impossível, com a protagonista, que dá nome ao filme (Saskia Rosendahl), a ter de efectuar uma odisseia (por fora e for dentro) pela Floresta Negra, na Alemanha da desagregação nazi, logo após a morte de Hitler, a caminho de casa da avó com os quatro irmãos a seu cargo. Na meta espera-lhe a idade adulta e a consciencialização do que é o anti-semitismo, educada que foi nas juventudes hitlerianas, com pai oficial das SS.
Pela descrição, há por aqui grande sofrimento e ele foi compensado pelo público em Locarno (recebeu o Audience Award). Mas curiosamente é uma viagem singularmente amena. Isto porque a clareza descritiva dos episódios (o encontro com a velhinha neurótica, o grotesco pescador de enguias) tenta ser remediada com o deslumbre da câmara de Cate com a composição: planos à mão demasiado perto dos corpos, para enfatizar a crueza e o choque, planos de pernas para o ar, detalhes intermináveis de mãozinhas e pezinhos. Tudo quer sublinhar a dor e a expressividade estética na dor, com absoluta urgência no efeito de tocar o coração em todos os momentos.
Neste exorcismo do sentimento nazi, como convém, ficamos sempre na emotividade estéril (com os tambores, o piano e os violinos nos lugares certos), produzindo um filme de autor mascarado de avózinha (é clara a tentativa de perversão dos contos de fadas) que trata Lore como uma personagem a meio caminho entre o retrato particular e o símbolo universal do crescimento às custas do trauma da Segunda Guerra Mundial.
Empatizamos com Lore? Choramos com Lore? Isso fica a cargo de cada um perceber onde está o seu drama ou onde está o drama universal posto em imagens demasiado redondas e bonitas para lá tudo caber.