Um actor infantil, estrela de uma série de televisão de que nunca ninguém ouviu falar fora da Suécia, cresce para realizar uma longa-metragem pela qual ganha um Óscar. Dava um documentário interessante, com certeza, mas não é esse o objecto de Searching For Sugar Man (À Procura de Sugar Man, 2012), essa é a biografia do seu realizador Malik Bendjelloul, que alcançou o sucesso mundial (e foi premiado abundantemente, e não só pela Academia de Hollywood) quando decidiu recriar a investigação de dois sul-africanos em busca de informações sobre um cantautor americano obscuro do princípio dos anos 70 que julgavam morto.
Só que Rodriguez, Sixto ou Jesus (consoante os humores), ou Sugar Man, por conta de uma canção em que cantava muito explicitamente sobre drogas (mais do que os contemporâneos, que não lhes tinham propriamente repugnância; pelos excertos das canções que se vão ouvindo no documentário, dá ideia que Rodriguez era um letrista bastante literal), afinal estava vivo (tão vivo que até era para estar no Porto a semana passada a tocar no Primavera Sound, mas tão misterioso que não apareceu) e pronto para receber a boa nova de que, apesar das décadas em que gastou o corpo em trabalhos embrutecedores após a edição dos seus dois únicos álbuns, havia uma legião de fãs no país do Apartheid. Lá, entre a classe média branca e progressista, era tão famoso como Elvis ou os Beatles, um símbolo da luta contra um regime terrível e opressivo. Desenhava-se assim uma bela história de conto de fadas.
E Bendjelloul soube espremer o máximo dela, dando ao filme primeiro uma estrutura de documentário musical, em que falam os produtores e outros músicos envolvidos na carreira de Rodriguez (não muito diferente dos Behind the Music desta vida), de seguida de documentário de um estranho fenómeno, do improvável sucesso do músico na África do Sul [apresentando uma sociedade fechada e atrasada, à semelhança do péssimo Punk in Africa (2012) de Keith Jones e Deon Mass, que passou há uns tempos no IndieLisboa], depois de documentário de investigação, em que reencena (sim, a investigação por esta altura já tinha quinze anos) a perseguição que os tais sul-africanos fizeram à figura do cantautor americano e, finalmente, de documentário do júbilo, à (reencenação da) chegada de Rodriguez à África do Sul para dar seis concertos esgotados [um final semelhante ao de Anvil: The Story of Anvil (2008) de Sacha Gervasi, quando a banda metaleira encontrava uma plateia repleta no Japão], nunca se fixando em nenhum deles.
Fica a sensação que esses múltiplos documentários co-existem porque Bendjelloul, mais do que não conseguir escolher entre eles, não saberia fazer apenas um. E, ainda assim, enche chouriço com rodriguinhos – animação, imagens em super 8 – que não adiantam coisa alguma, servem apenas para embelezar a coisa. Salva-o o próprio Rodriguez, que é realmente uma personagem interessante (quando ele entra, a meio, o filme ganha fulgor) e com a qual se gostaria de passar mais tempo (não é difícil imaginar um documentário melhor só sobre a sua vida actual). E se não choca que, para melhor contar a sua história, Bendjelloul tenha omitido alguns factos (como o de que Rodriguez conhecia o êxito que tinha na Austrália e talvez mesmo na África do Sul) – “When the fact becomes legend, print the legend” -, ajuda a fortalecer a noção de que Searching for Sugar Man é um documentário muito bem compostinho. E, como todas as coisas muito bem compostinhas, é chatinho.
Como curiosidade, e já extra-filme (ou pós-filme), fica mais uma vez explícito que o objecto é sempre afectado pelo estudo ou que Rodriguez nunca teve (nem poderia sonhar com) tanto sucesso como depois do lançamento de Searching for Sugar Man ou que não há pureza possível no documentário.