A mais recente newsletter do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) incluía um apanhado dos primeiros 6 meses do ano no que diz respeito à exibição e distribuição de cinema em Portugal (assim como às produções nacionais entregues ao Instituto e aos apoios deste a futuros projectos). Parece-me que no que diz respeito à distribuição os dados agora conhecidos escondem uma série de curiosidades dignas de uma análise mais atenta.
Em números gerais os portugueses foram menos ao cinema este ano (menos 9.9% o que corresponde a uma redução de cerca de 600 mil espectadores no período homólogo do ano passado), assim como vêm fazendo nos últimos anos (em três anos o número de espectadores nos primeiros 6 meses do ano reduziu-se em cerca de 2.3 milhões). No entanto, o interessante é perceber que este decréscimo é acompanhado de um aumento de estreias (cerca de 8.1% o que se traduz em mais 12 filmes estreados, passando de 148 para 160, ou seja, uma média superior a 6 estreias por semana). Está pois claro que o mercado está já saturado e que um aumento de novos filmes nas salas não se traduz num maior número de espectadores, muito pelo contrário.
Se a interpretação parece óbvia, nem por isso parece óbvia a posição da Zon Lusomundo Audiovisuais – líder de mercado na distribuição e exibição com mais de 60% das receitas e espectadores – que reage à redução de admissões com uma enxurrada de estreias. No fundo todas as distribuidoras reduziram – ou mantiveram – as suas estreias (com excepção da Leopardo filmes que passou de 6 para 9 e da Outsider Films que é nova no mercado) com descréscimos superiores a 50% por exemplo para a Columbia Tristar Warner (CTW). No entanto a Zon estreou mais 48,5% filmes nestes primeiros 6 meses do que em igual período no ano passado (passando de 68 estreias para 101). Compreendemos que o aumento total de novos filmes exibidos resulta unicamente da posição avassaladora da Zon que tenta assim tomar conta do mercado numa fase de queda da procura. Mas talvez mais interessante que esta batalha por quotas de mercado é o facto de não se traduzir o crescimento de estreias da Zon (pelo menos não na mesma proporção) em lucros aumentados: embora o aumento de novos filmes seja quase 50% o aumento de bilhetes vendidos ficou-se por 8% e a receita bruta cresceu apenas 4%. Ou seja, a estratégia da empresa é simplesmente suicidária, no sentido em que os custos adicionais no que respeita à estreia de tantos novos filmes ultrapassa em muito o magro aumento das receitas.
Não por acaso, as três pequenas distribuidoras Leopardo Filmes, Alambique e Midas filmes apresentam todas um aumento de espectadores e receita (entre 50% e 20%) talvez porque a Alambique tenha mantido o número de estreias (nas 8) e a Midas tenha reduzido (de 5 para 4). Ou seja, compreender as necessidades dos espectadores (que de momento estão menos interessados em ir ao cinema) traduz-se numa concentração de títulos – escolhidos a dedo e portanto cuja estreia é de facto imprescindível – que permite resultados positivos para as respectivas empresas. Mas outras distribuidoras procederam também a um emagrecimento dos filmes estreados (a CTW liderou esta queda passando de 16 filmes estreados nos primeiros 6 meses do ano passado para apenas 7 neste meio ano) mas inversamente ao caso das pequenas distribuidoras este corte nas estreias traduziu-se num corte na receita (para a CTW foi de 36% mas para a Pris foram uns descomunais 70% – uma queda de cerca de 1.8 milhões de receita bruta). Ou seja, embora as pequenas distribuidoras tenham conseguido alargar o seu mercado (de nicho, já que a receita obtida pelas três – Alambique, Midas e Leopardo – ronda apenas os 500 mil euros e a Zon gerou cerca de 18 milhões) isso já não se passou com as concorrentes directas da Zon (Pris, CTW e Big Picture) que viram a sua quota tomada pela enxurrada Lusomundo – ainda que as duas últimas sejam donas de metade dos títulos presentes no top 10 dos filmes mais lucrativos deste início de ano; a outra metade é da Zon.
Esta análise leva-me a questionar sobre a razão de tão elevado número de estreia: até que ponto se justifica que estreiem tantos filmes? e fará sentido que certos filmes apareçam nas nossas salas com dois anos (ou mais) de atraso?
Posto isto creio que há apenas três motivos distintos (ainda que por vezes coincidentes) para a estreia de um título (em Portugal ou em qualquer parte do mundo) e relacionam-se com a capacidade dos filmes criarem publico, assim sendo categorizo-os como: filme-evento, filme-acontecimento e filme-específico. Os filmes-evento serão aqueles que ou pelas temáticas (a corrupção, a pedofilia, etc) que abordam ou pela extravagância da forma [penso no caso do Branca de Neve (2000)] causam uma tomada de posição de um grande grupo da sociedade sendo a visualização do filme uma parte do debate e não a simples fruição de um objecto artístico. Quanto ao filme-acontecimento encaixo aqueles cujo gigantismo da produção associado a inovações da exibição (3D, 48 fps, IMAX) transformam no filme numa atracção de feira – com preço proporcional – que justifica a extravagância de ir ao cinema; pode-se contar aqui também as exibições únicas em festivais, o caso da exibição de O Filme de Desassosego (2010) em teatros e óperas ou as exibições de A Estrada de Palha (2012) com música ao vivo de Rita Redshoes e Legendary Tigerman. Ficando no filme-específico todas as outras estreias que incluem as comédias atolambadas e os filmes de terror industriais para a faixa juvenil, as comédias românticas e os thrillers para a jovem adulta, os filmes históricos e de época para um público mais adulto ou ainda o nicho cinéfilo com os títulos obscuros dos festivais e do cinema do mundo ou o cinema familiar com as animações e filmes de fantasia.
Se assim são as coisas é de imediata compreensão que a disponibilidade do público para cada um destes filmes é limitada, no sentido em que nem todos os filmes são acontecimento e os espectadores não aceitarão de bom grado a massificação da experiência (ou essa massificação retirar-lhe-á o efeito acrescido) assim como não fará sentido estrear 3 comédias românticas por semana se o público alvo só vai uma vez por semana ao cinema – mais ainda quando o período de exibição médio de um filme é cada vez mais reduzida, rondando as 3 semanas entre a estreia e a passagem para o circuito ‘à periferia’.
No caso do filme-evento e do filme-acontecimento a experiência em sala é fundamental – mas também estes correspondem a poucos títulos – isso já não se passa com as filmes-específico onde o fundamental está na velocidade da estreia. Isto porque dada a avidez do público-específico pelos seus filmes, quando a estreia demora, o certo é que os filmes sejam consumidos fora das salas (quer seja de forma ilegal quer seja pela compra das edições de DVD estrangeiras que muitas vezes já estão acessíveis). Este ritmo imposto pelo consumo digital justifica o reduzida estada dos filmes em sala e a catadupa de estreias, mas em vez disso devia servir como filtro àquilo que faz sentido estrear e àquilo que faz sentido ser editado directamente em DVD ou para VOD deixando assim a sala aos filmes essenciais, permitindo-lhes uma presença no cinema longa e consequente crescimento da receita por cópia – como propõe António Quintas.