Os filmes sucedem-se no Festival de Curtas de Vila Conde e estes são alguns dos filmes a concurso na competição nacional, divididos em dois segmentos:
O primeiro filme do segmento 1 da competição nacional foi Carrotrope (2013) de Paulo D’Alva. Uma animação, é um filme sem palavras com a excepção das de Louis Lumière proferidas há cem anos, sobre o cinema ser uma invenção sem futuro, com as quais o filme começa. Aludindo aos primórdios do cinema, utiliza uma invenção – uma mistura entre um carrossel e um thaumatrope – para ilustrar um homem a olhar para pequenas vinhetas em forma de memórias. Estas referências imaginadas acabam por revelar-se desconexas e vagas, na tentativa de tecer um comentário ao papel do cinema.
O segundo filme da noite foi Incubi (2012) de Sérgio Ribeiro, no que aparenta ser uma produção em nome próprio. Uma sequência de imagens crípticas em preto e branco saturado, o filme joga com códigos e símbolos do cinema para construir um ambiente industrial e lúgubre. Sem diálogos, apresenta uma série de imagens de maquinaria em ritmos indiferenciados, intercalados com imagens de uma rapariga em estado letárgico. O filme alude muito mais a imagens exteriores ao próprio filme, evocando referências a outras obras, do que as que mostra ou cria, revelando-se demasiado abstracto e alienante, apesar da imaginativa estética.
Conakry (2012) de Filipa César é um filme de plano único, de execução conceptual. Um percurso pela Casa das Culturas do Mundo em Berlim, é uma lição sobre a história da Guiné Bissau no período pós-libertação. Aqui utiliza-se o material recuperado do arquivo cinematográfico da Guiné que está a ser digitalizado, para discursar sobre esse momento esquecido da história. Através destas imagens que estavam abandonadas, procura-se questionar o papel do cinema como acto colonizador. Uma vez que o som ainda não foi restaurado, uma narração dá o contexto enquanto uma tela passa as imagens recuperadas, e uma poetisa conta-nos histórias sobre o que vemos. Uma dessas histórias é sobre uma exposição cultural organizada no Palácio do Povo na Guiné, onde foram exibidas imagens da luta contra Portugal – vemos imagens sobre imagens, portanto. É uma viagem por uma memória colectiva, possível de reconstruir através de filmagens que funcionam como uma prova final do que aconteceu.
Ao Deus Dará (2012) de Tiago Rosa-Rosso está mais próximo de um realismo social, preocupado com as voltas do dia-a-dia da sua personagem principal. Apesar de tentar fugir à linguagem televisiva com pequenos momentos de pausa, tudo decorre em modo operário, próximo de uma novela criminal, sem um conceito de identidade própria, eficaz quanto baste mas fugaz. O filme abre com uma conversa telefónica de alguém a pedir dinheiro emprestado, porque já não lhe pagam no trabalho há meses – mais uma referência ao clima actual – para estabelecer desta forma que a personagem, apesar de trabalhador e esforçado, parece condenado às acções que acaba por fazer. Mas ao tentar criar empatia pela personagem, o filme define a sua própria moralidade, ao invés de criar uma relação entre a personagem e o espectador.
Na Escama do Dragão (2013) de Ivo M. Ferreira é uma produção no âmbito de Guimarães Capital da Cultura. Um filme baseado no Oriente, utiliza uma viagem de uma jornalista (Margarida Vila-Nova) e o seu operador de câmara, até ao sul da China, à procura de um barco naufragado entretanto descoberto, como pretexto para uma reflexão sobre o futuro através do passado. As primeiras imagens abrem caminho para uma imagética onírica que dominará o filme no fim. Com uma voz na televisão a falar da crise económica em Portugal e de um tufão que aproxima-se de Macau, observamos os rituais entre a jornalista e o seu companheiro de viagem, entre o conflito de identidades (o passado), sublinhado pela presença dela à frente da câmara e dele atrás, a observar, impotente. É quando o filme chega ao museu onde estará o barco que o tal conflito vem à superfície, mas o barco, símbolo de fuga ou meio de regresso, afundou-se, pondo em causa o futuro, perdendo-se nas imagens subaquáticas que embalam e confirmam uma das melhores obras até agora do festival.
O primeiro filme no segmento 3 da competição nacional, Tabatô (2013) de João Viana, começa com um truque de magia: um veterano regressa a casa e mal sai do aeroporto, ouve um tiro e atira-se ao chão – era afinal apenas o som de um acidente de carro, mas o soldado não consegue sair da guerra. Este parece ser o tema principal desta curta que convive com a longa A Batalha de Tabatô (2013) [ambos filmes premiados este ano em Berlim]. Os artefactos que a personagem traz na sua mala são memórias de guerra que emitem os sons que não ficaram esquecidos, e que continuam a causar sangue, como o que jorra de uma ferida na sua mão ou o que atinge a sua filha depois de esta decidir investigar o conteúdo da mala. Filmado em preto e branco (mas também em tons de vermelho), o filme evoca o mistério da selva e a agitação das ruas, criando uma série de imagens fortes que arrastam a sua significância para o plano seguinte, num encadeamento sensorial: a batalha vai começar mas a Guiné precisa de paz.
Ao Lobo da Madragoa (2012) de Pedro Bastos, uma homenagem ao escritor António Lobo de Carvalho, é uma piada herege a dois tempos e pouco mais. Primeiro, uma mulher nua é filmada sensualmente na cama e a tomar banho, para depois vestir o uniforme de freira. De seguida, enquanto Adolfo Luxúria Canibal declama alguns versos de um texto brejeiro do poeta conhecido como Lobo da Madragoa, assistimos a imagens de figuras religiosas que parecem reagir ao texto.
O Corpo de Afonso (2013) é uma obra a cargo de João Pedro Rodrigues para Guimarães Capital da Cultura. Uma reflexão sobre como seria o corpo de D. Afonso Henriques, começa com um texto sobre o legado do corpo do rei na história de Portugal, mas rapidamente o filme entra no conceito escolhido: uma série de homens apresentam-se em frente à câmara para serem examinados. Obedecendo à ordem de Rodrigues para despirem-se – e sim, há um que parece ir mais longe do que lhe é pedido – desfilam rapidamente vários corpos de homens (quase todos) musculados, orgulhosos de si, numa edição alucinante. Estes homens galegos, que aparentemente responderam a um casting call, começam por ler um texto sobre D. Afonso, enquanto Rodrigues diverte-se a enquadrar diferentes partes dos corpos com imagens de Guimarães que passam na tela atrás. O questionário levado a cabo por Rodrigues revela o interesse que entrevistas a anónimos conseguem produzir – a maior parte deles desempregados, alguns strippers, a maior parte sem saber quem foi o primeiro rei português – e é quando o filme contrasta as cicatrizes do rei com as tatuagens destes homens, que as respostas são mais surpreendentes. Rodrigues conclui o ensaio com imagens do corpo que agora é apenas uma estátua que é uma pose, e com imagens do Portugal dos Pequeninos e de Salazar a imitar a pose de rei, e a questão considera-se desmistificada.
O filme de Rodrigues poderia ser o mais divertido até agora, não fosse o caso de existir Gambozinos (2013). O filme de João Nicolau apresenta-se como uma aventura juvenil que começa com imagens numa floresta de seres imaginados, mas é uma obra de considerável maturidade cinematográfica. A câmara move-se irrequieta atrás dos miúdos de uma colónia de férias e à sua volta, mas é quando os planos fixos marcam o início de uma nova sequência que Nicolau estabelece as piadas, no enquadramento de uma realidade de repente surreal. De inspiração na obra de Wes Anderson – as paixões juvenis dramáticas, as cores vívidas, a atenção dada ao detalhe na construção de um universo, os cartazes desenhados à mão, a tristeza alegre e as composições como ideias, estão lá todos os elementos – mas com suficiente vida e acima de tudo coração próprio, é abundante em ideias originais. É a música que proporciona os melhores momentos do filme e reforça a sua capacidade em encantar: depois de um rap como declaração de amor [num regresso à lengalenga infantil de Rapace (2006)], uma dança slow com uma canção melancólica mostra o abraço de despedida.