Tal como Arquimedes pedia um ponto de apoio para levantar o mundo, assim o cinema contemporâneo parece reclamar a necessidade de planos longos, lentos, sérios, onde assentar uma atmosfera de gravidade e neutralidade que lide de forma adulta com os “problemas do mundo”. Talvez essa mostragem minimal, que pouco compromete, seja talvez ainda a dor do grande trauma, a herança do dito de Adorno que prognosticava a impossibilidade da arte depois dos horrores de Auschwitz.
Essa gravidade está presente no trabalho de documentarista bielorrusso Sergei Loznitsa mas torna-se mais evidente na sua incursão na ficção, quer com a sua obra de estreia Schastye moe (A Minha Alegria, 2010) quer agora com V Tumane (No Nevoeiro, 2012), vencedor do prémio Fipresci em Cannes. Esta reclama um olhar de observação vindo do registo documental, apenso a uma herança literária trágica russa e claro com um propósito de exorcismo das memórias e feridas da Ucrânia vistas à luz da ocupação alemã.
Baseado num romance de 1989 de Vasili Bykov, Loznitsa ensaia uma reflexão sobre a culpabilidade e amizade em tempos de guerra. Numa fronteira ocidental da URSS ocupada pelo exército alemão, Sushenya, trabalhador dos caminhos de ferros, recusa-se a participar na sabotagem de um comboio com os seus colegas. Quando estes são enforcados pelo facto, este também se escusa a um acordo colaboracionista com o investigador nazi. Essa nova recusa – “I cannot do that”, responde ao oficial nazi – coloca-o num limbo, entre trincheiras morais, prestes a ser executado por um partisan amigo de infância que o acusa de colaboracionismo.
Mas como já acontecia com a odisseia do camionista em Schastye moe todo o percurso narrativo parece caminhar desse realismo ao simbolismo demonstrativo: a simplicidade de ambos os finais, a gestão explicativa dos flashbacks, a oposição entre a crueldade do mundo e a santidade com que os seus protagonistas nele evoluem.
Por causa desta indecidibilidade entre realismo e discurso, ver V Tumane é observar uma máscara do mundo que cai, é ver a lentidão dos planos a servir uma ambição metafísica que no final se desvanece ante a mais trágica clareza: em tempos de guerra quem não consegue ser morto, deve matar-se. Perante isto, a densidade da vida sob a ocupação transforma-se numa espécie de culpa na sobrevivência que não se sabe bem porquê Loznitsa aborda do ponto de vista de um nihilismo traumático um tanto bafiento. É pena que assim seja quando a atenção ao detalhe, à construção do plano-sequência o colocam como um cineasta virtuoso, muito acima da média.