Mais qu’est-ce que j’ai? J’ai l’air vieux aujourd’hui.
É a pergunta que Claude se coloca no final de Les deux anglaises et le continent (As Duas Inglesas e o Continente, 1971) de François Truffaut, quinze anos depois de ter vivido os dois amores da sua vida: as irmãs Muriel e Ann, nocturne et diurne, como diria Jacques Prévert. Talvez Claude se sinta assim porque, na verdade, não os viveu, ou melhor, não os teve na sua totalidade enquanto amor uno, fiel, tão grande quanto a projecção que fizera dos seus sentimentos e lera nas páginas dos seus livros.
Talvez pela instabilidade com que os tenha vivido e a incerteza do seu horizonte, Claude vivera as suas paixões de forma mais intensa, logo, mais rápida. E quinze anos mais tarde, repara então, ao ver a sua imagem reflectida, no desgaste e na velhice de uma idade que se julgava jovem.
Nesse momento, Claude vê visíveis os traços de morte que comporta dentro de si. Os traços que as suas paixões também criaram por abrirem um abismo que carregamos dentro de nós. Como um amor em que nos esquecemos de nós próprios para cairmos nele devagar, devagar, e seguimos a brisa da sua incerteza porque nos tornámos no próprio sentimento. E deixarmos que este nos leve pela pura emoção, ainda que delicada, pela sua tremenda vida que também é morte, por não ter forma.
Existe um momento-chave no seu encontro com as duas irmãs: quando, protegendo-se de uma chuva torrencial e do frio que se sente na paisagem, abrigam-se debaixo de umas rochas, sentados, Claude entre as duas, enquanto que Muriel e Ann encostam-se aos ombros dele, lado a lado. As duas baloiçam e roçam os seus corpos no de Claude, que segue, sem bem compreender esse jogo e a sua canção, o movimento que o pende para cada um dos lados. É um momento de felicidade porque Claude não o compreende, um momento de alegria porque se deixa levar por ele sem gravidade. É também dos poucos momentos em que vemos Claude sorrir nesses anos todos. O que, por outro lado, nunca o impediu de amar como a maior das tempestades.
Claude talvez não soubera ainda nesse momento, mas esse movimento que nos baloiça é o movimento da vida. Talvez não valha a pena tentar oferecer-lhe a maior das provas quando o que ele nos oferece é incerto. Nem desejarmos entregar a ele tudo o que queremos viver, pois parte das nossas projecções carregam, com elas, esse abismo que nos diz: para aquilo que nunca vimos, devemos obrigar a vida a ceder. E daí, forçarmos também o nosso fim.
Mas se as coisas terminam na vida, ela também renasce. Claude também poderia dizer – Deus sabe quanto amei. Nós, enquanto espectadores, saberíamos também e sentir-nos-íamos mais acompanhados na nossa solidão interior – aquela que mais ninguém conhece e que se reserva ao nosso cinema.
Quinze anos depois, o filme fecha-se e Claude entra por um portão, entre várias crianças que correm pela sua passagem antes que ele se feche. Perguntamo-nos – irá Claude reabrir essa porta que se fecha sobre esse tempo e que se confunde com o seu coração? La vie est peut-être triste, mais elle est toujours belle.