Principalmente nas últimas décadas, depois de terem desaparecido aqueles grandes nomes consagradíssimos do “cinema mundial” (Kurosawa, Bergman, Fellini), dá ideia de que a Academia, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro dos Óscares, premeia mais as proximidades que encontra em obras faladas noutras línguas do que propriamente algo com que não se depare em casa. Claro que isto é discutível, e nomeados e vencedores recentes desmentem-no um pouco. No entanto, este norueguês Kon-Tiki (Kon Tiki – A Viagem Impossível), nomeado em 2012, parece feito à medida para agradar aos membros da Academia [que há muitos, muitos anos havia premiado o documentário sobre os acontecimentos agora ficcionados: Kon-Tiki (1950)], assim como ao resto do mundo.
Pelo menos, àquele que gosta do cinema mais bem acabadinho, mais compostinho, numa palavra, académico (aquelas barbas postiças não enganam). Pois, da mesma forma que Kon-Tiki não chateia ninguém – é tecnicamente correcto, escorreito, acerta em todos pontos necessários que os manuais de escrita para cinema ensinam (mesmo que, para isso, tenha de distorcer um bocadinho os “factos reais” em que se baseia: um homem alto e espadaúdo, nadador exímio, transforma-se num sujeito gorducho e temeroso para servir mais bem o jogo de forças entre as personagens, umas com traumas e anseios, outras mais afoitas) -, também não despertará grandes amores (mal comparado, é como aqueles empregados de café que, à conta de tanta simpatia, piadas estafadas, pancadinhas nas costas. acabam por irritar). Essa necessidade de agradar trava o que ou poderia ser um filme de aventuras à antiga – e tem sequências que excitam os sentidos, malgrado a má vontade que outras (as decorativas, como a de Nova Iorque) possam criar – ou um estudo sobre os limites da fé ou da crença humana – durante boa parte da história o protagonista leva as outras personagens para a “viagem impossível” do título português (do Perú à Polinésia numa embarcação rudimentar), baseado na sua teoria que os índios povoaram as ilhas do Pacífico, que a dado momento parece pura crendice que pode muito bem ser a razão da morte mais ou menos dolorosa de todos (embora o espectador nunca tema um final infeliz, sente a fragilidade do líder que começa a duvidar e o crescimento do medo e ressentimento dos outros, à beira de um motim).
Assim, fica-se com uns tubarões digitais (que proporcionam algumas das tais sequências empolgantes), as intempéries inevitáveis e um misticismo algo solene (a grande baleia que passa por baixo da embarcação, os peixes luminosos) que após o momento em que entram na rota certa – e se dissipam todas as dúvidas – se irradia numa chocha beatitude, em que qualquer sensação de perigo se esbate definitivamente (o último obstáculo é particularmente inofensivo). A impressão de que os autores do filme – a dupla de realizadores Joachim Rønning e Espen Sandberg – tentaram fazer o filme mais universal possível confirma-se pela decisão de filmar duas versões de Kon-Tiki simultaneamente – uma em norueguês (uma obrigação para adquirirem os apoios noruegueses); outra em inglês. E também pela escolha dos distribuidores internacionais do filme – os irmãos Weinstein, conhecidos por cortarem a eito os seus produtos de modo a torná-los mais apetecíveis (e a verdade é que a versão internacional tem menos uns vinte minutos do que a original).