Os últimos dias de MOTELx trouxeram de tudo um pouco aos redactores Luís Mendonça (LM) e Ricardo Vieira Lisboa (RVL): as assombrações e brincadeiras “no escuro” de James Wan e Hideo Nakata, o regresso de Leatherface por Hopper e Hooper, uma “festa” em família que não corre bem pela trupe Wingard-Barrett-Ti West-Swanberg e cor de sangue – gore a jorros – em muitas destas e outras obras.
The Conjuring (The Conjuring – A Evocação, 2013) de James Wan
Insidious (Insidious – Insidioso, 2010) marcou, definitivamente, a confirmação de James Wan como um dos cineastas mais interessantes da actualidade ou mostrou, pelo menos, que este encerra em si um potencial que permanece por explorar em pleno. The Conjuring, elogiado pela maioria da crítica norte-americana, parecia ser o filme que vinha elevar este “novo primitivo” do cinema de horror a um outro patamar de excelência. Infelizmente, o que encontramos neste filme é mais a sedimentação de truques e mecânicas de horror do que a depuração de uma linguagem. Não é só a repetição estrutural que causa desconfiança – afinal, temos aqui de novo um filme de assombrações protagonizado por Patrick Wilson… – mas a forma como se reencenam as brincadeiras diabólicas, em que, por exemplo, o arrepiante hide and seek, perdão, and clap se afirma como uma derivação mais do que uma evolução do que viramos antes. Em certo sentido, Wan “estaciona” neste filme, sucumbe a sua critividade e talento – que existem! – às marcas já evidentes da sua assinatura, a saber: a bonecada, o ventriloquismo, o prazer por um horror de câmara que joga com os limites do quadro ou do fora de campo como um jogo de hide and seek audio/visual com o espectador e um fetiche por portas que se fecham e abrem sozinhas…
Claro que não posso esconder: a sensação de repetição não é ajudada pela banalidade da sua narrativa, resultante tanto do cruzamento entre The Exorcist (O Exorcista, 1973) – e percebe-se, pelo lettering inicial, que Wan queria fazer aqui algo parecido com o que Friedkin fez nos anos 70 – e The Haunting (A Casa Maldita, 1963) como de um casamento auto-forçado entre Insidious e Dead Silence (Silêncio de Morte, 2007). Não estamos a falar de um filme dentro da mediana do cinema de terror contemporâneo, mas, por outro lado, Wan consegue fazer melhor e isso não só provou com o seu filme anterior como prova durante alguns instantes neste The Conjuring. Exemplo disso é a sequência das “palmas” na cave, que nós vemos mas a personagem não – apenas ouve, em pânico – ou, ainda mais intensamente, o instante em que, pelo contrário, é a personagem (a criança no quarto escuro) que vê a presença (por trás da porta), mas a câmara, à distância, parece não saber como mostrá-la, como revelá-la. É este back to basics ou esta espécie de tentativa de reciclar, extremando ou reactualizando…, as feéries de um Segundo de Chomón, Méliès ou Edison que torna Wan num cineasta com algo mais (ou, muito melhor, com algo menos!) que os outros, sem que ainda tenha conseguido despertar todas as suas qualidades. Pode ser – mas duvido… – que as desperte em pleno com Insidious: Chapter 2 (2013). (LM)
The Conjuring tem estreia comercial marcada para a próxima quinta-feira, dia 19 de Setembro.
The Battery (2012) de Jeremy Gardner
No reino da música (desde há uns anos para cá) não é invulgar descobrirem-se artistas cujos primeiros trabalhos foram gravados no quarto, ou na garagem, e que apesar dessas condições as músicas vingavam, em parte também por haver na rugosidade do som algo de atraente. No que diz respeito ao cinema, só muito recentemente passou a ser acessível a qualquer um filmar em alta definição (antes era a rugosidade das cassetes) com uma câmara fotográfica e por isso só agora começam a surgir os primeiros filmes filmados dessa forma. The Battery é um desses casos. Filmado por menos de 4 mil dólares e com apenas 4 actores o filme acompanha a jornada de sobrevivência de dois amigos de escola depois do um apocalipse zombie que os empurra para a floresta onde os mortos-vivos são mais escassos.
Quando se diz que uma longa metragem custou uma ninharia como esta, está-se a cometer um erro de contas e uma jogada de marketing, isto porque os 4 mil euros terão sido os custos de alimentação, e dormida, maquilhagem e por demais necessidades fundamentais, descontando-se os salários de todos os intervenientes que certamente não terão sido pagos. Em condições normais (onde os profissionais ganham pelo seu trabalho e os filmes não são feitos por carolice) o orçamento do filme, mesmo que muito reduzido, seria um múltiplo muito alto do valor indicado. Como manobra de marketing funciona, já que a única coisa que justifique um filme tão fraco em ideias e capacidade técnica é o seu aparecimento em formato ovni – independentemente da grande (boa) vontade do seu realizador e protagonista e demais colaboradores, não é aceitável algo tão pendurado em soluções de montagem à videoclip, interpretações canhestras e história tão ténue como a captação de som. Salva o filme da completa nulidade a sequência final do carro, em especial um plano sequência que deve demorar uns 5 minutos onde nada acontece, apenas se espera… e depois a forma como esse mesmo plano termina, num misericordiosíssimo raccord. (RVL)
Ringu (1998) de Hideo Nakata
Ringu é um caso paradigmático de um filme com uma ideia fortíssima cuja aplicação, ainda que com alguns méritos, acaba por não estar à sua altura. A ideia de repegar na maldição de Poltergeist (Poltergeist, o Fenómeno, 1982), do e no televisor, e estendê-la à maldição do home video era engenhosa e prometia muito, mas receio que Nakata não teve unhas para tocar esta guitarra. Uma das causas do relativo fracasso – e revendo o filme percebemos como este tem perdido impacto com o passar do tempo – tem a ver com a tendência de Nakata para complicar o que devia ser simples. Com uma premissa-base com este potencial, em que o vírus é a imagem, não havia necessidade de desencadear um complicado thriller de investigação parajornalística, ainda para mais quando ao mesmo tempo se pretenderia dar forma à relação entre uma mulher e um homem, ou melhor, entre ex-mulher e ex-marido.
Em certa medida, o filme dentro do filme, gravado no VHS mortal, será também uma forma amaldiçoada de ex-cinema, nas fronteiras entre o que já foi e o que nunca chegou a ser. Contudo, Nakata não vai por aí, afundando a relação – potencialmente muito interessante, não nego – entre os protagonistas em “explicações postas em abismo”. Com efeito, Ringu é um filme sobrevalorizado por um furor cult que talvez tenha feito algum sentido nos anos 90, mas que hoje resiste mal. Como objecto fílmico, Ringu arrasta para o fundo do poço uma ideia capaz de actualizar as premissas tecnológicas, mediúnicas, de Poltergeist e Videodrome (Experiência Alucinante, 1983). De facto, neste filme a matéria do VHS acaba por ser tão acessória quanto são as personagens, elas que parecem lutar para chegarem à superfície – e nem sempre o conseguem – por entre assoberbantes camadas de plot thrillesco. (LM)
Kuroyuri danchi (The Complex, 2013) de Hideo Nakata
Começar por dizer que The Complex não é um grande filme é mau sinal para o leitor, mas isso é inescapável. O filme sofre de um argumento convulso e mal cosido que parece querer colar três histórias diferentes num só filme, esperando que o espectador não note que de meia em meia hora o filme encerra um capítulo e começa outro que nada tem que ver com o anterior: o vizinho velho, a namorada em coma e a criança atormentada. Esta constante reiniciar do filme prejudica evidentemente o natural progesso do filme e a construção de uma atmosfera absorvente, como seria de esperar. Estou em crer no entanto que, se isto é de facto um handicap, Nakata compensa-o com um trabalho de câmara que surpreende e delicia.
Logo a começar o filme temos uma cena doméstica de uma família que acaba de se mudar para um novo apartamento; a protagonista passeia-se pelo espaço e cumprimenta os pais e o irmão mais novo em longos planos sequência que ora são objectivos ora são subjectivos – tudo sem cortes e com uma aparente facilidade que só demonstra a mestria do realizador. Este trabalho de subjectivação da câmara sobre o olhar da protagonista funciona pois como um exercício de gramática visual que, associando uma técnica a um personagem, faz convergir o olhar do espectador numa das sequências de revelação onde, através do seus olhos (os dela e os nosso), a protagonista vê algo que nunca poderia ver – a si mesma. Estas jogos de câmara são mais que demonstrativos, mas a sequência final não deixa espaço para dúvidas: em especial a sequência da porta onde parece que observamos a uma versão narrativa do gato de Schrödinger, ou por usa vez o trabalho da cor (e a iluminação sempre transida de efeitos aquáticos – o elemento central dos fantasmas de Nakata é sem dúvida a água) em vermelhos azuis e verdes ‘ultra-expressionista’. (RVL)
It’s a Beautiful Day (2013) de Kayoko Asakura
Um slasher sobre o multiculturalismo asiático nos Estados Unidos que de tanto insistir na chico espertice das suas personagens japonesas, jovens estudantes a residir na terra do Tio Sam, acaba por disfarçar mal a sua inclinação racista. Para além disso, It’s a Beautiful Day procura desesperadamente fugir à banalidade desse subgénero do horror, sem conseguir evitar descer ao absurdo mais arbitrário e aparvalhado. A realizadora Kayoko Asakura parece querer condimentar este caldo indigesto com a violência extrema de um slasher sem ponta de imaginação; uma tentativa de sátira social ou racial – para não dizer simplesmente racista – mais um toque cómico “desconstrutivista” à la Cabin Fever (A Cabana do Medo, 2002). O resultado é um desnorteamento insuportável de ideias e uma nulidade dramática aflitiva.
No início “estamos” com a protagonista, uma estudante vinda da Coreia que foi convidada para uma estada numa casa de campo por um grupo de colegas japoneses que não falam outra língua que não a sua lingua mater. A impossibilidade da comunicação isolará a pobre rapariga na festa adolescente dos seus colegas desnaturados. Quando a protagonista insiste pela quarta ou quinta vez no carácter exemplar do seu comportamento, em contraste com o dos seus colegas, o único laço dramático possível no filme extingue-se: a empatia dá lugar à irritação e começamos a contar os minutos que faltam até que alguém (por exemplo, os mal amanhados vilões do filme) cale de vez esta florzinha de estufa. Claro que a irritação já era o sentimento provocado por todas as personagens do filme, pelo que a partir daí It’s a Beautiful Day passará talvez a interessar unicamente pelo show gore. De qualquer modo, isto é absolutamente execrável. (LM)
Byzantium (2012) de Neil Jordan
A série Twilight trouxe uma praga de filme de vampiros fofinhos-traumatizados-adolescentes-bonzões, neste MOTELx além deste Byzantium tivemos também o Kiss of the Damned (2012) de Xan Cassavetes que segue a mesma tendência – sim, parece qualquer coisa que se aprende numa Fashion’s Night Out Lisboa. Aqui o realizador Neil Jordan regressa diagonalmente a um dos seus primeiros sucessos, Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles (1994) preservando um dos seus temas recorrentes dos últimos anos – as comunidades piscatórias-portuárias onde acontecem eventos fora do normal [penso no recente Ondine (2009)]. Há uma série de ideias curiosas no filme, nomeadamente a pulsão da protagonista para contar histórias que faz lembrar o recente filme de François Ozon, Dans la maison (Dentro de Casa, 2012) – também aqui é pelo professor e os seus trabalhos de casa que o segredo familiar é revelado. Outro aspecto curioso é a iconografia da transformação que está mais próxima da tradição oral do que aquilo que é costumeiro nos filmes de vampiros – ainda que se limite a reproduzir o efeito surpresa da água vermelha em O Som ao Redor (2012).
O grande problema do filme é o problema que afecta todas estas produções recentes vampiros: achar que uma criatura viva há centenas de anos continuará a comportar-se como um adolescente hormonalmente instável. Tantos anos de experiência, de vivências e conhecimento deveria certamente traduzir-se num envelhecimento do intelecto (uma maturação do espírito) mesmo que essa não se traduzisse no físico – já que é isso que caracteriza os vampiros. Mas não, tem que haver sempre romance tonto entre meninos e meninas, tudo muito puro mas também muito sedento de fluídos (cada um a cada qual). E não são precisos dezenas de anos de vida para perceber isto. (RVL)
Countdown (2012) de Nattawut Poonpiriya
Countdown é a habitual presença tailandesa do festival (não fosse a embaixada desse país um dos patrocinadores) e como vem acontecendo, os filmes surpreendem por um motivo ou por outro. O que surpreende neste filme não é com certeza o conto moralista (e muito lamechas, pintado a câmaras lentas) onde um trio de adolescentes tailandeses a viver em Nova Iorque à custa dos pais (e desperdiçando o dinheiro destes) se vêem a braços com uma espécie de anjo caído (de nome Jesus, e lê-se hey-sus e não jisas) que para ouvir as palavras de arrependimento dos meninos malvados não se importa de recorrer aos meios mais agressivos que tem à mão (e a presença de uma pistola de pregos nas primeiras cenas do filme funciona como aviso do que vamos ver pouco depois). Isso é o pior do filme, o que surpreende são duas coisas, a saber: uma, o actor que faz de Jesus, dois, a invenção de um território vaporoso onde tudo é possível.
David Asavanond é pois o objecto desse milagre (e desse milagreiro) que é Jesus, uma amálgama de tiques, over-acting psicótico e um sentido de humor deliciosamente negro. O que o actor consegue fazer é uma figura profundamente marcante num domínio total das duas línguas envolvidas: a sua personagem é a princípio um pequeno traficante de droga americano, mas passado pouco tempo é também um fluente falante de tailandês com poderes sobrenaturais. O segundo aspecto prende-se com o facto de este ser um filme de estúdio quase integralmente filmado num apartamento (onde o realizador não esconde os falsos decors, com travellings verticais que atravessam paredes e tectos) de tal forma que o local onde se passa a história (supostamente a grande maçã) deixa de ter consubstanciação geográfica e transforma-se num limbo para as almas penadas (ou por penar…) – ajudado por esse trabalho ‘metafílmico’ de exposição da falsidade do espaço – coisa que não acontece todos os dias. (RVL)
Eaten Alive (1977) de Tobe Hooper
O genérico inicial de Eaten Alive começa com uma série de letras amarelas sobre uma lua enorme e luminosa (a mesma lua uivante – no sentido em que as adolescentes uivam ao luar enquanto eram perseguidas pelo Leatherface – de Texas Chain Saw Massacre?) que se dissolve num sol no início do filme. Esse sol é a fivela do sinto de Buck e enquanto este agarra no cinto e o retira ouvimos a primeira linha de diálogo,”my name is buck and I’m here to fuck“ – que o senhor Tarantino copiou para o seu Kill Bill Vol. 1 (Kill Bill – A Vingança, 2003). Esta frase surge no único momento do filme em que há um fundido que junta a braguilha aberta de Buck e a face de Marilyn Burns, a menina ensanguentada do Texas. Percebemos com apenas três planos e dois fades que Buck é um pervertido solar e que a personagem de Burns é uma fenda por abrir – isso é o que acontece pouco depois. Eaten Alive é, de certo modo, a versão de Tobe Hooper de Psycho (Psico, 1960) [como o final de Texas Chain Saw Massacre 2 faz lembrar Vertigo (A Mulher Que Viveu Duas Vezes, 1958) e North by Northwest (Intriga Internacional, 1959)]: mata a sua estrela nos primeiros minutos do filme, mata-a num motel chunga, e todo o filme gira em torno dessa espelunca onde aparecem os que investigam a morte da menina e tantos outros.
Como em Texas os monstros não fizeram nada para obter as suas vítimas, muito pelo contrário, são sempre as meninas (que aqui estão constantemente com as maminhas ao leu) e os meninos que se vão pôr na boca do lobo (neste caso é um réptil africano), que vão perturbar a vida pacata do homem perturbado. Onde a família louca de Texas trabalhava em conjunto por um bem comum (a carne humana), aqui essas ‘sinergias’ não acontecem entre o hospedeiro do hotel – um delicioso Neville Brand – e o seu crocodilo de estimação, ainda que durante grande parte do filme a dupla seja altamente eficiente na carnificina. Eaten Alive é, mais do que um grande filme, um marco transitório entre o gore subentendido do Texas original (porque o orçamento não deva para mais) e o Texas 2 (com a mão do senhor Savini), isto é, é com este filme que Hooper se estreia nos estúdios (onde os exteriores são estranhamente fantasmagóricos – tanto nevoeiro e tanto filtro vermelho…) e é também aqui que, pela primeira vez, o orçamente permite que uma foice atravesse uma traqueia de um lado ao outro – e o pior estaria para vir. (RVL)
The Texas Chainsaw Massacre 2 (Massacre no Texas 2, 1986) de Tobe Hooper
The Texas Chainsaw Massacre 2 é um filme sobre transferências. Leatherface tenta encontrar a sua noiva, oferecendo-lhe uma cara mais próxima da sua, que acabara de ser removida “cirurgicamente” da sua mais recente vítima. Ao mesmo tempo, temos Dennis Hopper, no ano em que deu corpo a Frank Booth de Blue Velvet, a interpretar um xerife que, indiferente à lei e sem medo de morrer, quer fazer justiça pelas próprias mãos e assassinar o homem que roubou a vida ao seu irmão, o jovem de cadeira de rodas do primeiro The Texas Chain Saw Massacre. A sua obstinação em encontrar e matar a família de carniceiros do primeiro filme leva-o a pensar, agir e, no fim, ser como a sua presa. Qual Leatherface em reverso, a personagem de Hopper vai comprar um verdadeiro arsenal de motosserras para atacar o covil dos degenerados.
Hooper injecta humor paródico à série, filmando uma espécie de “A Bela e o Monstro” protagonizado por um Leatherface mais proactivo e uma radialista que quer dar outra música, para além do rock n’ roll, que faça “abanar a cabeça” dos seus ouvintes. Quando esta revela ao mundo a preciosa gravação onde se ouve o último ataque mortífero de Leatherface, o irmão mais velho deste último vai pedir um replay, juntando ao gosto pela body art – arte no corpo dos outros quase tanto quanto no seu próprio corpo… – um ouvido apurado para a música concreta. Já no primeiro filme Hooper trabalhava organicamente o som, sobretudo os ruídos da casa, da motosserra e do tenebroso flash fotográfico das primeiras imagens. Em termos puramente cinematográficos, esta continuação traduz um empobrecimento em relação ao primeiro filme, mas é estimável essa revisão ou “transferência” paródica ou o facto de Hopper, talvez subaproveitado se pensarmos na excentricidade mostrada em Frank Booth, ter canalizado Hooper com uma imagem reflectida de Leatherface, que – espante-se – não lhe é forçosamente mais “positiva”. (LM)
Maniac (2012) de Frank Khalfoun
Os franceses Alexandre Aja e Grégory Levasseur são os nomes mais chamativos nos créditos deste pequeno filme de terror. Sete anos depois de The Hills Have Eyes (Terror nas Montanhas, 2006), os dois, juntos, voltam a escrever um remake: Maniac de William Lustig, história de um psicopata, que se dedica profissionalmente ao restauro de manequins, e dos seus traumas de infância. Contudo, em Maniac Aja passou a batata quente da realização para Frank Khalfoun, reeditando uma parceria idêntica à que deu origem ao moderadamente empolgante P2 (PS – Zona de Risco). O resultado está abaixo de qualquer um destes títulos e um dos problemas coloca-se logo nas primeiras imagens: o dispositivo do plano subjectivo como manobra formal para que o espectador experiencie, na primeira pessoa, os actos horríficos e visões não menos tenebrosas do maníaco no filme, Frank (interpretado por Elijah Wood, que, mesmo sendo praticamente só “mãos e voz”, nunca chega a convencer).
O problema é que não basta fazer um filme inteiro em POV shots para entrarmos na cabeça do seu protagonista, nem para – como parece ser esse o objectivo – compreendermos por que o assassino mata, como mata e quando mata. Não ajuda que no início Frank mate beldades indefesas, para depois entrar numa lógica vingativa que levará, mais à frente, à única morte indesejada no filme. Maniac tem um dispositivo antes de ter uma personagem e este a priori acabará por se revelar um obstáculo insuperável para, de facto, entrarmos na mente, vida e “experiências de morte” do seu protagonista. A única coisa qe fica na retina é a bela presença feminina a cargo de Genevieve Alexandra. (LM)
You’re Next (2011) de Adam Wingard
O MOTELx 2013 dificilmente podia encerrar com um filme melhor. Não que You’re Next seja a esperada obra-prima que este festival não terá tido – descontando The Texas Chain Saw Massacre, claro. O que este filme de Adam Wingard oferece é um divertimento non-stop de 90 minutos que mistura o filme de acção com o terror slasher e, sem ilusões de originalidade, ri-se – e faz-nos rir – das suas situações. História de uma família abastada que se reúne numa festa – ou deveria dizer numa festen? – onde a mãe e o pai recentemente reformado planeiam passar o resto dos seus dias: uma sumptuosa moradia no campo. O problema é que esta reunião familiar não servirá apenas para a apresentação das namoradas e namorado dos filhos e da filha; servirá, mais que isso, para pôr em dia velhas rivalidades até ao instante em que subitamente “o massacre bate à porta” e, a cada um dos presentes, a mensagem do título é dirigida: “you’re next”. Entre Vinterberg e Home Alone (Sozinho em Casa, 1990) ou, mais precisamente, The Collector (2009), Wingard vê nesta milésima variante do slasher uma oportunidade de fazer um filme de terror entre amigos, parte deles nossos bem conhecidos de outras paragens: os actores-realizadores-argumentistas-produtores Ti West, Joe Swanberg e Tim Barrett são os cameos ou as participações mais notadas pelo espectador cinéfilo.
O mais interessante nesta variante de alto orçamento do “filme feito entre amigos” é precisamente esse espírito despretensioso, quase destituído de qualquer ambição que não seja a de pôr à prova o talento desta nova escola de cineastas-actores, divididos entre géneros, circulando entre filmes, dando uma perninha num drama ou comédia para depois receber “a perninha” do amigo num filme gore. Fica, portanto, a sensação de que Wingard – e também Barrett que produz e escreve o filme – está descomplexadamente a formar-se como realizador em regime de óptima cooperação. Por um lado, You’re Next sabe respeitar o melhor lado dos filmes deste subgénero, indo beber a obras como Scream ou The Strangers; por outro lado, sabe encontrar em Swanberg ou em Ti West (que estão no filme como actores) a referência certa para construir personagens com alguma densidade dramática, mas sobretudo minimamente empáticas. A heroína improvável deste “massacre familiar” é a personagem interpretada pela galesa Sharni Vinson, não devendo nada em kick asseness, por exemplo, a uma Cécile de France (Haute tension). Por tudo isto, You’re Next terá sido o melhor filme festivaleiro do MOTELx 2013 – e, fora do contexto de festival, é um daqueles pequenos filmes de terror que não quererá deixar escapar se se quiser divertir muito à custa da mais luxuosa “desgraça alheia”. (LM)