Vivemos em tempos de mudança. Dois homens que se beijam na rua já não incomodam muita gente, se passearem de mãos dadas muito menos, agora ir ao Queer Lisboa com uma coroa de plumas fúcsia é bem capaz de receber uns piropos valentes. O festival internacional de cinema queer de Lisboa (porque ser só de cinema gay e lésbico é demasiado close-minded) recebe toda a gente, com plumas ou sem elas, disposta a ver cinema – e há muito por onde escolher.
Como é o caso nos festivais temáticos (onde se encontram, além do Queer, o MOTELx e outros de menor dimensão), a sua programação inclui muito daquilo que já vinha fazendo o circuito dos festivais (queer ou de terror, respectivamente). Assim sendo, uma parte significativa dos filmes que encontramos não são mais que simples confirmações. Este ano temos vários títulos nessas circunstâncias – já lá iremos – mas também estranhamos a ausência de tantos outros filmes cuja presença era já bastante antecipada. A começar, temos o vencedor da Queer Palm, L’inconnu du lac (2013) que, tendo distribuição assegurada pela Leopardo Filmes, deverá estar guardado na gaveta até ao Lisbon & Estoril Film Festival – ou, de forma semelhante, temos o vencedor da Palma de Ouro deste ano, La vie d’Adèle (2013), que deverá ter o mesmo destino que o anterior, já que foi também comprado pela Leopardo. Mas outro caso de estranha ausência é Bambi (2012), o vencedor do Teddy para melhor documentário na última edição da Berlinale, cuja ausência não se deve certamente a questões de distribuição. Talvez a mais evidente destas falhas seja Behind the Candelabra (Por Detrás do Candelabro, 2013), que estreia hoje nas salas do país, um dia antes da abertura do festival – e depois de a data de estreia ter sido adiada de Agosto para meio de Setembro -, o que é no mínimo intrigante.
Mas, como se diz, se não há cão caça-se com gato e o certo é que o Queer Lisboa 2013 está cheio de gatos. Este ano o felino de serviço é destacadamente a presença portuguesa, que surge tanto na competição para melhor curta-metragem (como é costume – com nomes habituais como José Gonçalves e Possidónio Cachapa) como na de melhor documentário [com o filme O Carnaval é um Palco, a Ilha uma Festa (2013), que acompanha as festividades carnavalescas na ilha Terceira, onde a tradição das matrafonas é encarada com grande devoção], melhor longa-metragem de ficção [com a co-produção ibérica Noches de Espera (2012), realizada por Tiago Leão] e também na secção Panorama, com o muitíssimo antecipado filme de Joaquim Pinto, E Agora? Lembra-me (2013), que venceu o prémio da crítica e do júri na última edição do Festival de Locarno [e onde também estão incluídas as curtas Gingers (2013) de António da Silva, com a qual o realizador venceu a competição nacional no IndieLisboa 2013, e O Corpo de Afonso (2013) de João Pedro Rodrigues, feita no âmbito de Guimarães, Capital Europeia da Cultura].
As referidas confirmações da programação deste ano são a presença de Interior. Leather. Bar. (2013) – que já vinha de Sundance e de Berlim – realizado por Travis Mathews e James Franco (sendo que o primeiro estará em Lisboa para apresentar o filme, que se estreia no início de Outubro, e fazer de DJ na festa Interior. Leather Chic), e de In Their Room: London, o terceiro tomo da série In Their Room (que começou em São Francisco e passou por Berlim – e que o festival vem acompanhando), realizado também por Travis Mathews. Outra das confirmações é W imie… (In The Name of…, 2013), que venceu o Teddy para melhor filme este ano, assim como Concussion (2012), que venceu o prémio especial do júri desse mesmo galardão. Também vindo de Berlim, temos Freier Fall (Free Fall, 2013), que trata do romance entre dois polícias, enquanto que da Polónia chega-nos Plynace wiezowce (Floating Skyscrapers, 2013), onde o romance desta vez é entre dois nadadores de competição. Mas o certo é serem Out in the Dark (2012) – filme de encerramento – e Aynehaye Rooberoo (Facing Mirrors, 2011) os que mais agradarão ao público, ambos cruzando as questões palestino-árabes com as questões de género e ambos vencedores do prémio do público em vários dos festivais por onde vêm passando.
Vindos do London Lesbian & Gay Film Festival, temos a grande maioria dos filmes presentes na competição para melhor documentário. Além do já referido filme de Franco e Mathews, temos She Male Snails (2012), I Am Divine (2013) sobre a rainha do queer, Born Naked (2012) sobre a noite madrilena, e She Said Boom: The Story of Fifth Column (2012). E parece-me que este ano é o documentário que mais atrai a vista, já que, além dos já referidos, temos também uma série de biografias e compilações de carreiras de vários artistas: Uncle Bob (2009) sobre o homem que atravessou nu a cerimónia dos Óscares em 1974, Bette Bourne: It Goes with the Shoes (2013), Gore Vidal: The United States of Amnesia (2013) sobre o grande escritor recentemente falecido ou ainda o documentário sobre a humorista Joan Rivers: A Piece of Work (2010).
Mas como falo de felinos, estou fisgado em que vou cair de pé ao predizer que os grandes filmes do festival serão: E Agora? Lembra-me (que foi também seleccionado para o Doclisboa 2013, que decorrerá no próximo mês), To Agori Troi To Fagito Tou Pouliou (Boy Eating the Bird’s Food, 2013), filme grego incluído na secção Queer Focus, e A Volta da Pauliceia Desvairada (2012) sobre a noite paulista. Mas é ao leitor – que se tornará dentro em breve espectador – que cabe fazer as suas escolhas. Deixo apenas um conselho para o escuro do cinema: não se deixe enganar que de noite todos os gatos são pardos.