Yang ya ren jia (Beautiful Duckling, 1965) é uma das duas obras mais conhecidas do realismo saudável taiwanês, versão light, acrítica e optimista dos realismos europeus no contexto da Ilha Formosa. Um filme essencial para compreender a “época dourada” do cinema em mandarim de Taiwan e para constatar o quão revolucionário foi o novo cinema taiwanês, cujo realismo reagia contra o do seu predecessor.
Lee Hsing é, provavelmente, o realizador mais importante de Taiwan antes do cinema novo. Nos anos 1960 e 70, o nome de Lee ficou associado a várias das obras de uma “época dourada” do cinema formosino, conseguindo acumular sucessos de público e de crítica como até então no universo da “Grande China” apenas haviam conseguido o cinema de Xangai e de Hong Kong. Esta “época de ouro” ficou também para a história do cinema taiwanês como uma em que filmes falados em mandarim – a língua oficial – se tonaram apelativos para o grande público da ilha (e até exportáveis), muito do qual tinha como primeira língua o dialecto local, vulgarmente chamado taiwanês. Importa notar que as produções cinematográficas faladas em taiwanês tinham tido um momento particularmente áureo pouco antes.
Para revitalizar o cinema em mandarim na Formosa, o então manager da produtora apoiada pelo Estado, a Central Motion Picture Corporation, propôs um novo estilo, o realismo saudável. Este pretendia centrar-se nos dramas de pessoas comuns, mas sem o mínimo da (suposta) carga negativa dos realismos europeus, como o neo-realismo italiano. O objectivo era moralizante e, de certa forma, subtilmente propagandístico: incutir nos espectadores valores confucionistas sobre o papel dos indivíduos na família e na sociedade e o papel benévolo do Estado na vida dos cidadãos.
É precisamente isso que observamos em Yang ya ren jia, centrado numa família de criadores de patos. O filme apresenta várias semelhanças com outro essencial do realismo saudável, Ke nü (Oyster Girl, 1963): uma protagonista jovem, um meio de província (Ke nü passa-se numa povoação costeira entre criadores de ostras, Yang ya ren jia num meio pecuário entre criadores de patos e porcos), um vilão que ameaça a harmonia familiar e a acção iluminada do Estado como melhorador das condições de vida dos pequenos produtores.
Não é só com outras obras de realismo saudável que Yang ya ren jia tem semelhanças. Como já foi observado anteriormente, a vertente “realista” de Taiwan tem vários pontos de contacto com o realismo socialista praticado nos filmes do outro lado do estreito, na então “inimiga” República Popular da China (RPC). Nas duas “Chinas”, os governos legitimavam-se também pelo cinema. As semelhanças na condução e estratégias de promoção da reforma agrária nos dois lados são actualmente objecto de análise de historiadores – e filmes como Yang ya ren jia não destoariam num estudo histórico. Tanto Ke nü como o filme sobre o qual escrevemos são documentos do seu tempo, o do início do “milagre económico” formosino.
Tal como no realismo da RPC, também o realismo saudável taiwanês era tudo menos realista. Importava mostrar uma versão idealizada dos dramas do “povo” e, no caso taiwanês, promover a sua superação, não através da acção revolucionária mas do poder transformador do capital. De facto, Yang ya ren jia já foi apelidado de não-moderno, mas preferimos vê-lo como promotor de uma particular modernidade, uma modernidade conivente com os ideais do então governo autoritário do Kuomintang. Na sua visão de uma República da China próspera, enriquecer era – como seria depois para a RPC de Deng Xiaoping até hoje – glorioso. O sucesso económico anda, em Yang ya ren jia, de braço dado com a harmonia familiar.
Neste melodrama, os dois pontos de tensão são a filha do criador de patos – que descobre ser adoptiva – e os patos que este cria com a ajuda do Estado e que lhe trarão segurança económica. Perder a filha, ameaçada pelo irmão verdadeiro (imagem de dissoluto cuja vida errante é evidenciada pela mulher, cantora de ópera taiwanesa), é tão grave como a perspectiva de perder os patos, prometidos ao irmão chantagista em troca da filha – que prefere ser entregue a este a ver o pai adoptivo perder os patos.
A trama é simples e talvez já não comova os espectadores de hoje como acreditamos que o tenha feito outrora (as exibições de Ke nü e Yang ya ren jia são constantemente evocadas em filmes taiwaneses posteriores, incluindo de Hou Hsiao-hsien). Mas a produção cuidada, a jovialidade da protagonista, Tang Bao-yun, e alguns planos (por exemplo, o dos patos correndo pela ponte) recordam-nos porque este é tido como um dos clássicos do cinema taiwanês (ou, talvez mais correcto, do cinema chinês de Taiwan).
As preocupações realistas do novo cinema taiwanês, que emergiria nos anos 1980, pouco têm do “realismo” (entre aspas) de filmes como Yang ya ren jia, mas só conhecendo um se conseguirá compreender melhor o quão radical foi o outro.