Da mesma maneira que Greenberg (2010) era cinzento e pardacento como a personagem titular, um quarentão meio recluso e obcecado com miudezas, que passava os dias a (muito anacronicamente) escrever cartas de desagrado às mais variadas empresas ou na companhia de um velho amigo que lhe acentuava a sensação dos anos perdidos (e tão cinzento e pardacento como o smog de Los Angeles onde decorria a acção), Frances Ha (2012) é esfuziante e brilhante como a personagem titular (ou quase, que o título é uma brincadeira com o nome Frances Haliday), uma jovem que, mesmo à beira de ultrapassar aquele ponto em que se tem de abandonar todos os sonhos pela vida normal (real), continua a acreditar que os pode atingir [(e tão esfuziante e brilhante como a Nova Iorque naquele preto-e-branco que pertence a Woody Allen e Gordon Willis desde Manhattan (1979) e, neste filme, foi alcançado com uma Canon 5D pelo director de fotografia Sam Levy (um feito espantoso: quase se jura que se vê o grão da película)].
Portanto, as semelhanças entre o penúltimo e o último filme de Noah Baumbach – serem absolutamente centrados em personagens “peculiares” que representam e se deixam representar n/a paisagem citadina -, fazem sobressair ainda mais essa revitalização do cinema do realizador americano. Revitalização, no sentido em que Greenberg encontrava Baumbach num “ponto morto” de quem, depois de ter passado uns anos a tentar ser o novo Whit Stillman [muito evidente em Kicking and Screaming (1995), para o qual repescava o mais stillmaniano dos actores, Chris Eigeman], para de seguida fazer a terapia em relação à “herança” do pai e da mãe [em The Squid and the Whale (A Lula e a Baleia, 2005) e Margot at the Wedding (Margot e o Casamento, 2007), respectivamente], não sabia muito bem como prosseguir. Revitalização, no sentido em que Greta Gerwig, protagonista e co-argumentista de Frances Ha (e actual namorada de Baumbach, para os mais cuscos e para a The New Yorker), que até tinha um papel secundário (e meio apagado, como o resto do filme) em Greenberg, traz consigo uma energia estonteante que contagia tudo.
Nem vale a pena escrever sobre o Mumblecore e os hipsters e a série Girls, todas as coisas que se associam a Gerwig e à sua geração, quando Frances Ha deve tanto é ao cinema francês e lhe é quase reverencial (ou todo referencial) – vejam-se a cena inicial cuja estrutura Baumbach confessa ter roubado a Truffaut ou a dança/correria ao som de “Modern Love” de Bowie, uma homenagem a Leos Carax, que já era uma homenagem à Nouvelle Vague, ou sinta-se o espírito e a leveza de Éric Rohmer que perpassa no filme (e na restante obra do realizador). A presença do corpo desengonçado da belíssima Gerwig desfaz qualquer impressão de “pós-modernidade”, dando-lhe (ia escrever “emprestando-lhe”, mas é de uma dádiva que se trata) a vitalidade da primeira vez, a frescura dos inocentes, uma leveza e uma liberdade irresistíveis (como escreveu o Luís Mendonça quando o filme passou no IndieLisboa). Esse será o seu grande contributo – que não deve ofuscar os outros: a vulnerabilidade, a coragem de se expor toda, o ar de menina mimada e artista frustrada, o ciúme de amiga, a desorientação – e não é coisa pouca. E, dessa maneira, a autoria é, de facto, partilhada entre Baumbach e Gerwig. Ao contrário do que acontecia em parcerias realizador-actriz do passado (Sternberg-Dietrich, por exemplo), é a mulher que molda o cinema do homem (ou então já era assim antigamente, apesar do que eles costumavam dizer).
É tão difícil não amar Frances Ha (personagem e filme) como é gostar de Greenberg (personagem e filme). E, nessa confusão, é mesmo muito complicado perceber se não se faz uma injustiça ao último e não se empola o primeiro. Mas o amor não conhece essas ou outras razões. Por despertá-lo, Frances Ha merece-o.