Primeiro foi-nos vendido que Interior. Leather Bar. (2013) era um remake de Cruising (A Caça, 1980), depois que era a re-imaginação dos 40 minutos perdidos desse filme. Foi preciso vê-lo para perceber que nem uma coisa nem outra, Interior. Leather Bar. é sobre a confrontação, à luz da modernidade, entre o olhar de uma sociedade hetero-normativa com a vida ghettizada de uma comunidade gay dos anos 70 ou o choque entre o que foge do bom gosto e aquilo que é gostoso – ou então é apenas cinema masturbatório.
Achou o parágrafo anterior presunçoso? As expressões eram de armar ao pingarelho? Então pode estar descansado que isto não é nada quando comparado com o pretensiosismo de James Franco nesta sua última investida na realização [coisa que o actor cultiva – leia-se o texto do João sobre o filme que estreia também esta semana, This Is the End (Isto é o Fim!, 2013), com Franco a fazer de si mesmo – e que deu aso a uma divertida sessão de galhardetes na Comedy Central – The Roast of James Franco]. Mas já lá iremos, preparemos antes o terreno. James Franco é uma grande estrela, actor aclamado pelo mundo fora, presença em filmes de grande orçamento, senhor de papéis icónicos – enfim, aquilo a que nos acostumámos a chamar de estrela de Hollywood. Pois bem, algumas estrelas de Hollywood gostam de se aventurar pelos países mais pobres do mundo para ajudar crianças refugiadas, ou visitar zonas conflituosas para trazer sobre aquela gente a iluminação pacificadora que há muito ansiavam, outras há que pretendem afirmar pela via académica aquilo que o seu sucesso nem sempre consegue fazer: a confirmação do seu talento. Franco é da última espécie.
A carreira do actor-realizador é no mínimo bipolar, ora envereda pelos grandes blockbusters de Sam Raimi ora vira para as art houses em projectos de temática invariavelmente queer (com realização sua ou nem por isso) – e que só agora com As I Lay Dying (2013) começa a mudar de direcção. Dos seus trabalhos como realizador destaca-se um gosto particular pelas representações da homossexualidade na história do cinema, de onde se destacam My Own Private River (2012) sobre River Phoenix no filme de Gus Van Sant (também uma co-realização com o próprio Van Sant), Sal (2011) sobre as últimas horas do actor Sal Mineo, ou ainda Rebel (2011) sobre James Dean em Rebel Without a Cause (Fúria de Viver, 1955). Por isso não é com grande surpresa que encaro este seu novo projecto, cujas raízes estão fundamente enterradas na história do cinema e no simbolismo que os 40 minutos censurados do filme original têm naquilo que é hoje o cinema queer. Por seu lado, a outra ponta da realização vem de Travis Mathews, psicólogo de formação e retratista da intimidade gay nas suas formas mais explícitas – disso são bons exemplos In Their Room: Berlin (2011) ou I Want Your Love (2011). Portanto, com este projecto, Franco mantinha-se na cinefilia e Mathews repetia-se no sexo explícito – terá sido por isso mesmo que os ditos 40 minutos foram cortados de Cruising.
Isto era o que se podia esperar dos dois realizadores, o que nos deram foi um empata fodas – já que se anunciava um filme pornográfico com a presença (e participação?) da grande estrela de Hollywood. O que nos caiu no colo foram longas divagações de James Franco, aluno de Michael Warner em Yale, cuja primeira cena se inicia com uma referência explícita a The Trouble With Normal do referido professor. A cada dez minutos somos vítimas das opiniões do menino estudioso dos queer e gender studies sobre como se deve encarar a homossexualidade, o sexo gay e a representação dos mesmos no cinema. Nos intervalos vemos uma espécie de making of da tal recriação dos minutos perdidos, onde a mão de Mathews se nota particularmente em duas cenas: a primeira, do casting onde os vários figurantes são entrevistados de frente para a câmara em enormes grandes planos, e a segunda, a sequência de sexo no sofá. Mas o que interessa aos dois realizadores é o seu protagonista, Val Lauren (colaborador habitual de Franco-realizador) a fazer de Pacino (a fazer de Steve Burns) e que, tal como o próprio Pacino, vê-se incomodado pelo sexo explícito que decorre durante a rodagem. Esse é o arco narrativo do filme, a evolução do olhar de Val-Pacino-Burns com o decorrer do filme, que começa receoso do que lhe vão pedir para fazer e acaba rendido ao amor gay.
Aliás, é através da personagem de Val que o filme se desmorona. Durante grande parte do filme estamos crentes no documentarismo de todo o projecto (e esse é o objectivo) e a certa altura vemos Val a ler um argumento que descreve a exacta sequência a que estamos a assistir. Não que o twist não seja divertido, e não que isso não leve a uma revisão das cenas anteriores (num exercício de reenquadramento divertido), o problema está na forma explícita (essa sim!) de demonstrar o dispositivo e, mais ainda, de o fazer como se se tratasse de um exercício de virtuosismo extraordinário e não de uma forma batida de colocar o espectador “a pensar”. Mas de certa forma toda esta vaidade tem o seu quê de atraente [Franco explica a certa altura que só está a fazer um filme com sexo gay explícito porque o pode fazer e porque o quer fazer simultaneamente com o filme da Disney que protagoniza – Oz the Great and Powerful (Oz: O Grande e Poderoso, 2013)], ainda que Cruising funcione apenas como a espoleta de uma série de divagações mais ou menos professorais – e pouco mais do que uma referência visual icónica daquilo que foram os leather bars.