Aparentemente, a crise que nos assola não se circunscreve apenas aos humanos e já se introduziu no reino animal (ou melhor, no reino dos outros animais). Tome-se como exemplo as abelhas, cuja população tem vindo a decrescer, sem que se saiba muito bem porquê; talvez neurastenia; talvez um certo cansaço de viver dos pequenos bichos equipados à Beira-Mar. Na verdade, sabe-se e as razões estão explanadas em More than Honey (Abelhas e Homens, 2012) do suíço Markus Imhoof.
O título em português do documentário (a submissão suíça ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro para a próxima celebração da Academia) é bastante certeiro, uma vez que grande parte do infortúnio das abelhas se deve exactamente (aliás, como seria de esperar) aos humanos. A exploração capitalista da produção de mel tem levado as ditas, mesmo habituadas a uma vivência meio fascistóide – todas cumprem uma função qualquer e existem só para cumpri-la, seja parir, fecundar, tratar e proteger a rainha e as larvas, polinizar flores e “fabricar” mel [e seria disso que a voz de Jerry Seinfeld se queixava aqui há uns anos em Bee Movie (A História de uma Abelha, 2007)] -, a uma espécie de desespero. Desde as constantes “tournées” em busca das melhores flores para polinizarem, metidas em camiões asfixiantes, que lhes causam ansiedade, até aos pesticidas que os agricultores espalham nas vastas plantações para onde as levam, que as torna doentes, passando pela “consanguinidade” a que são obrigadas pelos apicultores menos preocupados com o futuro da espécie do que com o máximo lucro possível, que as torna débeis, tudo são motivos para que só consigam sobreviver à custa de antibióticos e produtos químicos (que destroem os parasitas que as matam). Estão tão fracas que os humanos já nem precisam de usar fatos à sua volta.
À primeira vista, More than Honey parece voltado a expor o contraste entre este novo tipo de apicultura e aquele que se fazia no “tempo dos avôs”: o do cineasta (segundo a voz do narrador Robert Hunger-Bühler), o do americano contristado por ter de ser insensível ao sofrimento das abelhas, ou o do próprio “avozinho”, sempre de charuto na boca, que ainda faz as coisas à antiga. Mas depressa se percebe que o antigo sistema não é muito melhor para os animais: veja-se as senhoras que produzem rainhas aos molhos e as enviam pelo correio aos exploradores capitalistas.
Não se julgue, no entanto, que More than Honey se resume a um save the bees. Mark Imhoof tem um verdadeiro fascínio pelas abelhas, pela sua sociedade, as idiossincrasias, a violência (o facto de os zangões morrerem logo a seguir a “polinizarem” as rainhas), até a sua suposta inteligência (atestada pelo cientista que as estuda), e filma-as nuns grandes planos que as novas câmaras e lentes permitem (permitem mesmo uns planos aéreos que as acompanham, que deixam a dúvida sobre a sua artificialidade), colocando o espectador como que dentro da colmeia, a ver-se insecto. É verdade que dá menos atenção aos homens que pululam no filme e só no sentido em que estes interagem com os pequenos animais (o seu valor vem da sua linha de trabalho).
Contudo, a relação entre humanos e abelhas é mais complexa do que atrás ficou descrito. Os primeiros têm absoluta necessidade das segundas e não é só por causa do mel; são elas que polinizam grande parte das árvores de fruto, plantas e vegetais em que se baseia a nossa alimentação. Quando não existem – como na China, em que as medidas de Mao as exterminaram -, os homens têm de tomar esse papel que, como é óbvio, não cumprem tão bem. Ou seja, o nosso futuro depende do das abelhas. Assim, para o final, Imhoof traça um cenário apocalíptico, resultado da fraqueza das abelhas domesticadas (com tendência para desaparecer) e da violência das novas espécies vindas de África, rebeldes, livres, revoltosas, que matam quem as ataca (incluindo homens, ao que parece) e são, portanto, dificílimas de “cultivar” (com estas o fato é obrigatório).
Embora ande perigosamente lá perto, More than Honey escapa às armadilhas do documentário de natureza, tornando-se, também por isso, interessante e agradável. Mas pouco mais.