Já lá vão quatorze anos desde que Seth Rogen e James Franco se encontraram em Freaks and Geeks, a magnífica série de Paul Feig que Judd Apatow ajudou a criar. Já lá vão dez anos desde que Rogen e Jay Baruchel se despediram de Undeclared, a série que Apatow criou ele mesmo e não teve muito mais sucesso [e, não esquecer, lançou o melhor sósia de Heath Ledger, o inglês Charlie Hunnam, protagonista do recente e muito prazeroso Pacific Rim (Batalha do Pacífico, 2013) de Guillermo del Toro]. Já lá vão seis anos desde Superbad (Super Baldas, 2007), a obra-prima da comédia apatowniana (da qual Apatow é sobretudo um “agregador”, muito mais do que criador ou autor) realizada por Greg Mottola [autor dos também excelentes The Daytrippers (1996) e Adventureland (2010)], escrita pela dupla Seth Rogen-Evan Goldberg, amigos de infância, e protagonizada por Michael Cera e Jonah Hill. Data dessa altura a curta-metragem Jay and Seth vs. the Apocalypse (2007) [que pode ser vista no YouTube], escrita pela mesma dupla e protagonizada por Rogen e Baruchel, que se interpretam a eles mesmos.
Muito mudou desde aí: este tipo de comédia, de gente graúda a lutar por não crescer, que prefere fumar erva e fazer piadas homoeróticas em vez de enfrentar os problemas da idade adulta, vivendo num “clube para rapazes” que exclui qualquer membro do sexo feminino, a princípio marginal, tornou-se a norma no cinema americano [Ted (2012) é uma cópia malfeitona do “género”, por exemplo]; Seth Rogen volveu-se na mais improvável das estrelas de cinema e emagreceu; James Franco continuou magro e multiplicou-se por mil e um projectos (apetece escrever literalmente), tornando-se omnipresente – a outra estreia desta semana destacada pelo À pala de Walsh, Interior. Leather Bar. (2013) é interpretada e co-realizada por si; Jonah Hill quase ganhou um Óscar por Moneyball (Moneyball – Jogada de Risco, 2011) [e também emagreceu]; Michael Cera foi apurando a sua persona em papéis cada vez mais negros; e Jay Baruchel virou um secundário pouco reconhecível – entra em Million Dollar Baby (Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos, 2004) de Clint Eastwood mas poucos se lembrarão dele. E, inevitavelmente, gerou-se uma onda de resistência ao sucesso de quase todos, que arrastou os restantes envolvidos. Hoje em dia não haverá muitos a confessarem o gosto por esta comédia e pelos seus intérpretes.
E assim surge This is the End (Isto é o Fim, 2013!), a ampliação da curta Jay and Seth vs. the Apocalypse, escrita e realizada por Rogen e Goldberg e protagonizada pelo primeiro, Baruchel, Franco, Hill, aos quais se juntam Danny McBride e Craig Robinson [que entraram para a famiglia em Pineapple Express (Alta Pedrada, 2008) de David Gordon Green]. Todos a interpretarem versões de si mesmos, num jogo entre verdade e representação, que vem desde Superbad (em que Hill e Cera se chamavam Seth e Evan) e aqui atinge um momento culminante, em que se (re)criam tensões privadas – a relação de amizade antiga entre os canadianos Seth Rogen e Jay Baruchel face aos novos amigos do primeiro, James Franco e Jonah Hiil, do qual o segundo tem ciúmes -, assim como as próprias personas dos actores – Franco, vaidoso e pretensioso, e Hill, melífluo e malévolo, são os mais corajosos, no sentido em que se deixam retratar piormente, mas a coroa de glória vai para o Michael Cera cocaínado e obnóxio (o perfeito contraste da sua imagem pública) num dos muitos cameos do filme – Paul Rudd, Martin Starr, Rihanna, Channing Tatum (a presença mais estranha, como “fiel amigo” de McBride) e Emma Watson (na figura da mulher que é “expulsa” do “clube de rapazes” quando estes não conseguem conter insinuações a uma possível ou provável violação da actriz inglesa), entre muitos outros, também comparecem.
Como escreve A.O. Scott na crítica do New York Times, This is the End é uma comédia apocalíptica para acabar de vez com a comédia apatowniana (reforço a ideia de que é no sentido de Apatow como guarda-chuva onde se abrigam todos estes comediantes/argumentistas/realizadores e não como influência). É o seu zénite, no qual se encontram todas as marcas da dita na forma mais pura: as piadas sexuais (o diálogo sobre masturbação entre Franco e McBride é um clássico); as interações pessoais entre os actores/personas muito baseada no improviso, no deixar a câmara correr, num stream of consciousness humorístico; as dores de crescimento que se confundem com as dores da amizade. O tema da amizade e do sacrifício, o fio condutor da filmografia da dupla Rogen-Goldberg, é elevado pelo contexto bíblico – num mundo pós-apocalíptico (não aquele que fica depois de uma catástrofe nuclear mas antes o resultado da vontade de Deus em finalizar a sua obra, um contexto estranhíssimo, se se for a pensar nisso), em que nenhum actor foi escolhido para ir para o Céu na hora do Julgamento Final (uma private joke bastante subtil), é a prova de amizade que salvará ou não os protagonistas (portanto, fala-se de coisas muito sérias e pessoais – e nunca tanto como neste filme – da maneira mais escamoteada possível).
Claro que isto significa que This is the End não adianta nada à comédia apatowiana (reitero que…), a não ser talvez um leve plágio à trilogia Cornetto de Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost. Não tanto, como é óbvio, ao último tomo intitulado World’s End (2013), que, apesar de ter estreado depois, irá gerar confusões, mas ao primeiro, Shaun of the Dead (recuso-me a escrever o título português, 2004), que tratava mais ou menos das mesmas coisas no meio de um ataque de zombies com outra inteligência. No entanto, usando a medida mais justa para aferir a qualidade de uma comédia, This is the End faz rir. Ao mesmo tempo que deixa no espectador uma melacolia pelo que passou e não voltará mais. Pois, embora espere, como A.O. Scott, que esta gente comece a fazer outras coisas (muitos já fazem e muito já eles fazem), ficará sempre a saudade por este mundo que desaparece.