Percebe-se desde cedo o que Roman Coppola pretende, com este A Glimpse Inside the Mind of Charles Swan III (Dentro da Cabeça de Charles Swan III, 2012), é concretizar um projecto pessoal usando para isso os amigos da famiglia Coppola, assim como tirar partido da imagem recente do actor (e amigo) Charlie Sheen – o artista alcoolizado, mulherengo e obnóxio – tentando, através de uma ficção em torno do alter ego, Charles Swan (que reproduz o som do nome do actor e reproduz o nome de um personagem de À la recherche du temps perdu de Marcel Proust), abrir a porta a alguma forma de redenção pública, isto é, dando a conhecer os mais recônditos lugares da mente de Charlie Sheen, Roman pretende que o espectador compreenda e empatize com o artista caído em desgraça (devido à sua imagem pública, o actor foi substituído na bem sucedida sitcom Two and a Half Men).
Até aqui não haveria problema algum. Truffaut e Edwards filmaram artistas mulherengos, alcoólicos e obnóxios – L’homme qui aimait les femmes (O Homem que Gostava das Mulheres, 1977) e o remake The Man Who Loved Women (Os meus Problemas com as Mulheres, 1983) – e Roman sabe quão bem isso resultou para ambos e cita-os directamente no seu filme quando, numa das viagens alucinadas/sonhadas que o Charles Swan sofre ao longo do filme, filma o próprio funeral do protagonista ao qual assistem as várias mulheres que ele terá amado. Juntar às características anteriores de Swan a hipocondria também em nada desmerece a construção do personagem, vide a quase totalidade dos filmes de Allen e os seus mulherengos hipocondríacos. Roman Coppola sabe-o. Sabe também que a escolha de actores como Bill Murray e Jason Schwartzman, provenientes, sem grandes mudanças, da carpintaria de Wes Anderson, é um trunfo à partida e que o estilo de Anderson é um sucesso com o público. Roman sabe tudo isto e sabe mais umas coisas – principalmente cravar amigos para o seu filme – e no entanto o que espanta é como toda essa sabedoria cai em saco roto quando o realizador se deixa levar por amadorismos ao quais tinha obrigação de saber fugir – não fosse ele produtor dos filmes da mana Sofia, de alguns do pai Francis e também co-argumentista de Wes.
O caso mais evidentes são os reflexos da câmara, e restante equipa, nos óculos escuros de Sheen ou no metalizado do seu cadillac vintage que anulam por completo a pretensão de se fazer um filme de época (sim, é suposto passar-se tudo nos idos anos 70), ao qual se junta espanhol macarrónico de Sheen que transforma as conversas com a empregada doméstica num mistura entre uma má telenovela mexicana e no igualmente ruim Casa de mi padre (A Casa de mi Padre, 2012) – e escuso-me comentar o português fonético que sai da boca do actor num número musical entre néons e bossa nova. O realizador é o primeiro a admitir que este é um filme de muito baixo orçamento e que a maioria das cenas foram filmadas na sua casa, por vezes com o seu próprio guarda-roupa e com o seu cadillac vintage. Serve isso para tentar desculpabilizar o facto de o filme ser feito em cima do joelho e também tenta dar ao projecto uma aura de objecto artesanal – que é o equivalente eufemístico a dizer que se gosta de comida rústica.
Mas além de tudo isto há algo muito incómodo no filme: a sensação de que Roman não existe como realizador, mas apenas como armazenista de influências, sendo que de todas a que mais se destaca é o modo-de-fazer do colega Wes. Vê-lo a a tentar reproduzir o estilo de Anderson é penoso: a sequência de western em que Sheen e Schwartzman cavalgam bestas de cartão e são atacados por índias – a sequência da seta vem directamente de Moonrise Kingdom (2012) – é disso exemplo capital (mas há outros momentos igualmente confrangedores). Ou seja, se para alguns o cinema de Anderson já anda a rodar em seco, funcionando apenas como o eco estilizado do que começou por ser, vê-lo em versão cópia roskoff roça já o deprimente.