Perguntámos a Alain Guiraudie, no contexto da última edição do Lisbon & Estoril Film Festival, em conversa a decorrer logo após a projecção de L’inconnu du lac (O Desconhecido do Lago, 2013) , quem é o desconhecido do lago: se Henri (Patrick d’Assunçao) que se torna amigo de Frank (Pierre Deladonchamps), um corpo que se destaca dos restantes porque não se despe até ao pêlo, nem investe pelo bosque em volta do lago para engatar outros homens; se Michel (Christophe Paou), por quem Frank se irá apaixonar, e que recusa estar com ele uma noite inteira, com a desculpa que esse tipo de intimidade dará cabo da atracção que sentem um pelo outro, e sobre o qual a partir de dada altura recaem as suspeitas de que possa ter sido responsável pela morte de um banhista; se o desejo ou prazer que se afigura como motivação primeira para o exibicionismo dos corpos nus e para o sexo que vemos, frequentemente anónimo e voyeurista.
Guiraudie explicará que a pergunta encerrava já a única resposta possível, no que abre para uma quarta hipótese, a de ser o próprio espectador “o desconhecido do lago”. No sentido em que o filme se concentrando em exclusivo num espaço natural fora do resto do mundo (por extensão, o nosso), numa repetição de enquadramentos e acções que se encaminham para a conclusão nocturna, que nada tem de naturalista, por contraste com o tom geral usado por Guiraudie, que permanentemente acentua a presença da natureza, com os recortes da paisagem, o mar, a luz do sol, o som da brisa e do vento, como se o mistério de L’inconnu du lac escolhesse para sempre permanecer misterioso porque aberto a várias leituras, embora fechado a qualquer uma delas em exclusivo.
L’inconnu du lac é um filme de sensações, que joga com a nossa necessidade de compreender o que se passa, quando é tão mais decisivo entregarmo-nos ao seu lado sensorial, sermos mais um naquela “ilha de homens”, circunscrita pelo fora de campo, onde tudo o que de um gesto escorre para outro, da pele batida pelo calor solar aos corpos que se cruzam ou se oferecem com intensidade ou abandono, busca a libertação do espartilho racional. L’inconnu du lac é um objecto explicitamente gay que transcende a sexualidade. A concentração espacial, o minimalismo da planificação, cria uma tal harmonia entre os homens e a natureza, que o instinto puro que impele para os encontros sexuais configura mais uma ideia de paraíso, algo que está para além da culpa e do sórdido.
Triunfa a natureza. Triunfa a liberdade sobre o artifício (pelo menos até à sequência final, algo que está mais próximo de um filme de género). Triunfa o cinema.